Desnutriçõ na África Austral: Juntos na Produção de Dietas Alimentares Saudáveis (Moçambique) | Land Portal

Autor: Laque Francisco, FDC Moçambique


Fonte: https://www.fdc.org.mz/desnutricao-na-africa-austral-juntos-na-producao-de-dietas-alimentares-saudaveis/


Apesar do rápido e importante progresso realizado em toda a África nas últimas décadas, persistem ainda desafios significativos relacionados com o acesso a alimentos e a dieta alimentar, como a morte prematura, o baixo desenvolvimento das crianças e as doenças.


O risco que o acesso inadequado aos alimentos representam para a mortalidade e morbilidade em todo o mundo é agora superior ao risco conjunto do sexo sem proteção e do consumo de álcool, drogas e tabaco.


Em Moçambique, 43 por cento das crianças com menos de cinco anos de idade sofrem de hipotrofia devido a doenças crónicas e a dietas alimentares pobres. Apenas uma em cada 10 crianças com menos de dois anos de idade recebe os nutrientes suficientes para um crescimento e desenvolvimento ideal. Na vizinha África do Sul, assim como em muitos outros países no mundo, as taxas de obesidade e de doenças crónicas relacionadas com o acesso inadequado a alimentos, tais como a diabete, as doenças cardíacas, o cancro e a hipertensão arterial, estão em ascensão. Embora alguns países, como Moçambique, apresentem actualmente níveis relativamente baixos de sobrepeso e obesidade, existe uma crescente ameaça de uma futura “tripla carga” de desnutrição, na qual a subnutrição e as deficiências de micronutrientes coexistem com a obesidade e com as consequentes doenças não transmissíveis relacionadas com a dieta alimentar.


O combate à desnutrição crónica é fundamental para o crescimento económico e a estabilidade do país. Dietas alimentares saudáveis e de alta qualidade permitem o crescimento, a aprendizagem e o alcance do potencial intelectual, físico e cognitivo dos indivíduos. Por sua vez, isto torna os jovens adultos mais propensos à inovação e ao sucesso no trabalho. Relatórios recentes mostram que a desnutrição custa anualmente a África até 3,5 biliões de dólares americanos, em grande parte devido a reduções na produtividade. Só em Moçambique, a desnutrição infantil custa ao país 62 mil milhões de meticais, isto é, 11 por cento do PIB anual.


Se procuramos resolver este problema crítico, como deveríamos, seria necessário esclarecer o motivo pelo qual o progresso tem sido tão lento, especialmente tendo em conta que o Governo de Moçambique reconhece a importância da nutrição. Foram implementados novos planos governamentais, mas ainda não produziram mudanças no terreno. O principal desafio é a implementação, principalmente a nível da localidade.


Neste sentido, acreditamos que hajam dois factores de vital importância. Em primeiro lugar, como o Painel Global sobre Agricultura e Sistemas Alimentares para a Nutrição indica no relatório Food systems and diets: Facing the challenges of the 21st century (Sistemas e dietas alimentares: Enfrentar os desafios do século XXI), devemos focar-nos não apenas em alimentar pessoas, mas em nutri-las. Ao fazê-lo, é necessário aproveitar o poder dos sectores público e privado e da sociedade civil, para incentivar e possibilitar o acesso dos consumidores a melhores dietas alimentares.


É, portanto, imperativo que os responsáveis políticos prestem maior atenção aos sistemas alimentares, para que o planeamento nutricional seja devidamente implementado. A realidade é complexa. Os sistemas alimentares abrangem todas as fases, desde a produção de alimentos até ao consumo. Cultivo de alimentos e criação de gado, armazenamento e transporte de produtos alimentares, processamento de alimentos, marketing e comércio – todos devem trabalhar em conjunto para possibilitar a produção de dietas alimentares saudáveis.


O segundo factor também diz respeito a programas e políticas. A implementação de estratégias nacionais para uma melhor nutrição aos níveis das províncias e dos distritos pode representar um grande desafio. Deve ser prestada muito mais atenção à questão de como incentivar as autoridades locais a priorizar o acesso aos alimentos às populações a preços acessíveis. É fundamental existir uma abordagem de sistemas alimentares para a identificação e a resolução das lacunas nas dietas alimentares locais, particularmente em grupos vulneráveis, como as crianças e as mulheres em idade reprodutiva. Deve também proceder-se ao desenvolvimento de capacitação local e ao fornecimento de ferramentas para ajudar na identificação de soluções locais.


Portanto, apesar de ter existido um forte apoio político do Governo Central em Moçambique para a produção de alimentos diversificados de alta qualidade, necessárias para combater a desnutrição, existe também uma ausência de medidas estratégicas coordenadas e credíveis para uma implementação eficaz em vários sectores e em todo o sistema. Sozinhos, os governos não podem oferecer dietas saudáveis para todos. Melhorar os sistemas alimentares de África exigirá a colaboração entre o governo, a sociedade civil e o sector privado, bem como a coordenação de medidas entre o comércio, a educação, a saúde, a agricultura, a proteção social, a água e o saneamento.


O sector privado desempenha um papel essencial no auxílio à criação de sistemas alimentares eficazes, por exemplo, através de métodos melhorados de produção, marketing e processamento de alimentos. Investimentos em, por exemplo, infraestruturas para a melhoria do armazenamento tornarão os alimentos mais seguros. Do mesmo modo, é necessário incentivar abordagens inovadoras para a comercialização de produtos alimentares nutritivos e a preços acessíveis, que demonstram ser promissoras em alguns países africanos.


Os consumidores também podem desempenhar um papel activo. O mais recente relatório do Global Panel sobre o comportamento do consumidor demonstra como os actuais sistemas alimentares não ajudam os consumidores a fazer escolhas alimentares saudáveis. Contém quatro mensagens sobre como as partes interessadas, lideradas pelo governo, podem trabalhar em parceria, para possibilitar que os consumidores realizem escolhas alimentares mais nutritivas, originando dietas alimentares mais saudáveis e diversificadas. Portanto, os sectores devem:


  • Estabelecer normas nacionais para dietas alimentares saudáveis;
  • Educar os consumidores para a realização de escolhas alimentares mais saudáveis;
  • Através de proteção social, possibilitar o acesso aos alimentos saudáveis por parte dos consumidores de rendimento baixo e
  • Envolver as empresas através da colaboração entre os sectores público e privado na rotulagem.

As mulheres/raparigas, em particular, desempenham um papel essencial, que vai para além dos valores tradicionais centrados exclusivamente em alimentar a família. A troca de ideias com as mulheres na elaboração e implementação de políticas e medidas é essencial. Isto devido à experiência prática e à compreensão que estas têm dos vários factores que afectam as dietas alimentares das famílias, assim como às diversas funções que estas desempenham nos sistemas alimentares.


As nossas organizações, a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), Graça Machel Trust (GMT) e o Painel Global sobre Agricultura e Sistemas Alimentares para a Nutrição, reúnem todos estes grupos esta semana em Maputo, num evento de alto nível, para apresentar algumas questões complexas e identificar soluções colaborativas.


Portanto, a nossa mensagem é simples.


A nutrição, particularmente de mulheres/raparigas e crianças, deve ser priorizada por todos os governos de África. O motivo económico e social para o fazer é claro. Nos países, como Moçambique, em que a nutrição já é uma prioridade, é necessário redobrar esforços para garantir que as políticas robustas se traduzem efectivamente em medidas aos níveis das províncias e dos distritos. Através da construção de uma coligação entre sectores, é necessário remover as barreiras passando para uma implementação eficaz, fornecendo às autoridades provinciais e distritais as ferramentas e os recursos necessários para a concretização de uma visão partilhada de como aceder aos alimentos nutritivos e seguros, a preços acessíveis e de alta qualidade para todos. Sem este esforço renovado, muitas pessoas não conseguirão alcançar todo o seu potencial físico, psíquico e cognitivo e as nossas economias continuarão a ser sobrecarregadas pelos problemas de saúde. Apenas desta forma podemos garantir que todas as crianças não sejam apenas alimentadas, mas também nutridas.

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