REURB de Bonito reconhece o direito das mulheres | Land Portal
 
No dia 15 de setembro, 479 famílias do município de Bonito, cidade do Agreste Pernambucano, efetivaram uma grande conquista: o direito reconhecido ao espaço em que vivem. Mais de 70% dos documentos de propriedade que serão emitidos pelo cartório terão a mulher como beneficiária, seja como única proprietária ou como primeira titular do direito nos casos de titulação conjunta. O Projeto de Regularização Fundiária Urbana (REURB) foi assinado e protocolado no cartório local junto com as representantes do Espaço Feminista (EF), uma vez que o pontapé inicial para essa conquista foi dado pelo EF com o início da pesquisa que utilizou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODSs) como referência. 
 
O trabalho do Espaço Feminista em Bonito começou ainda em 2017, quando foi realizado um Dialogo Local com mais de 85 pessoas representando governos municipais, estadual e federal, de diversas organizações da sociedade civil, além de representantes de outros poderes, como o Ministério Público Estadual, de universidades e fundações de pesquisa. Além de apresentar a Agenda 2030 da ONU aos presentes, o Espaço Feminista já enfatizava as desigualdades de gênero no acesso, uso e controle da terra e aos serviços básicos, usando como base a análise dos dados dos Censos Agropecuário de 2006 e Demográfico de 2010 - ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -  relativos aos indicadores propostos pelos ODSs. Em 2017, com o Dialogo Local de Bonito, o Espaço Feminista iniciava uma parceria com o poder público local que se efetiva agora com esse projeto de regularização fundiária e com uma participação ativa das mulheres de Bonito que atuaram com protagonistas durante todo o processo. 
 
Henrique Cavalcanti
Lideranças Comunitárias (Baixinha, Edsangela e Gigliola). Foto: Henrique Cavalcanti
 
A agricultora Elisângela Silva foi uma das mulheres beneficiadas com a REURB de Bonito. “Estou muito realizada. Esses anos todos que a gente está nessa luta e nunca conseguimos nada. E agora, ter alguma coisa, que a gente pode dizer que vai ser da gente, é muito gratificante. Não vai ser uma luta em vão”, destacou. Elisângela também destacou que o trabalho desenvolvido pelo Espaço Feminista foi essencial para ter o direito a propriedade dela. “Se fosse uma pessoa só pra conseguir esses documentos seria muito difícil. Como é todo mundo junto, unido, a união faz a força”.
 
Rita Maria da Conceição foi outra agricultora beneficiada com a REURB de Bonito. “Graças a Deus conseguimos. E foi uma alegria saber que vou ter o documento da minha casa”, comemorou.
Gil Gigliola, monitora do EF acompanhou e trabalhou ajudando a população durante todo o processo da REURB em Bonito. Agora ela vive a expectativa de as mulheres receberem os documentos de suas propriedades em mãos.  “Foi mais de um ano de luta para que conseguíssemos sentar com a gestão municipal. Logo depois das conversas com a prefeitura começamos a nos reunir com o espaço feminista. Os passos seguintes foram organizar reuniões para explicar a população, principalmente as mulheres, a necessidade de os documentos terem que sair primeiro no nome da mulher e depois no nome do homem. Depois disso foi feito mutirão para resolver a situação da população que tinha problema com documentação. Quando o Espaço Feminista concluiu o projeto ele foi assinado, mas a gente só vai sentir a vitória maior quando a primeira mulher receber o documento em mãos”.
 
Henrique Cavalcanti
Assinatura do Projeto de Regularização de Posse de Mutirão - Bonito/PE. Foto: Henrique Cavalcant
 
Em 2018, o Espaço Feminista realizou uma pesquisa nos municípios de Bonito e Caruaru entrevistando 469 pessoas, sendo que 406 eram mulheres. A coleta de dados primários buscava responder a algumas questões indicadas na análise dos censos realizada em 2017 e que precisavam ser esclarecidos. “A pesquisa de campo evidenciou a vulnerabilidade das mulheres no tocante a garantia do direito a propriedade da terra (e consequentemente da moradia) para as mulheres, e como essa condição refletia em muitos aspectos da vida das mulheres. Foi durante a pesquisa que descobrimos que a grande maioria dos imóveis de Bonito tinham sido construídos em áreas desapropriadas pelo próprio município anos antes, mas sem que tivesse sido regularizada essa condição, o que representava um risco muito maior para as mulheres já que em Bonito, por exemplo, 48% das mulheres entrevistadas moravam com os seus companheiros, sem que contudo tivessem a união estável registrada. Assim, se sobrepunham condições de informalidade que colocavam as mulheres numa situação de absoluta vulnerabilidade”, destacou Patrícia Chaves, diretora do Espaço Feminista.
 
A professora Sergiana Maria da Silva, também monitora do EF, relembrou esse trabalho de campo que foi essencial para que o projeto fosse oficializado:“Na realidade, em 2017 demos início com uma conferência com mulheres de outros lugares. Já em 2018 participamos de uma pesquisa que nos ajudou a entender o que era a Regularização Fundiária. Depois formamos grupos de mulheres nos bairros, na cidade e na zona rural, depois passamos por capacitação e fomos ouvidas por diversas autoridades municipais como o secretário de governo, de meio ambiente da cidade e também com o prefeito e com o vice-prefeito. Eles se mostraram interessados pelo projeto e no mês passado foi iniciado oficialmente o processo de regularização tanto na cidade como na zona rural”, comemorou. 
 
Sendo a regularização fundiária um conjunto de medidas sociais, urbanísticas, ambientais e jurídicas, que tem como objetivo garantir o direito à moradia, principalmente para a população mais carente, o Espaço Feminista viu na abertura do poder público municipal a possibilidade de materializar a sua missão institucional, assegurando o direito de propriedade a um grande número de mulheres e de famílias que vivem a mercê de promessas não cumpridas por gestores públicos, e que experimentam na prática todas as consequências da insegurança jurídica às quais estão submetidas. Muitas são as dificuldades enfrentadas por essas mulheres, que ao contrario do que diz a lei, não conseguem garantir os seus direitos por inúmeras dificuldades que são obrigadas a enfrentar no seu cotidiano, inclusive as diversas faces da violência domestica a qual estão submetidas. 
 
Para que fossem desencadeadas as fases da regularização fundiária, o EF contou com a participação da advogada e consultora em direito urbanístico, Tereza Borba. A advogada urbanística atua há mais de 20 anos na defesa e implementação do direito à moradia. Há um ano, foi estabelecida uma parceria entre o Espaço Feminista e a Prefeitura do Bonito, sendo impulsionados os trabalhos para que a REURB fosse efetivada. “O trabalho teve como propósito desenvolver ações formativas e de capacitação acerca da temática da regularização fundiária, de forma a oportunizar às mulheres participarem ativamente dos levantamentos. Além de apoiar o Município a instalar capacidade técnica para implementar essa importante política pública”, destacou Tereza Borba. 
 
A contribuição e mobilização permanente das mulheres de Bonito, que vêm desenvolvendo um processo de monitoramento das políticas públicas e que tem sido coordenado pela também advogada Natali Lacerda, foi essencial para que a REURB fosse efetivada e garantido o direito às mulheres. Uma vez que elas deram informações essenciais para que as posses de seus imóveis ou propriedades fossem registradas em cartório. Estas mulheres também foram fundamentais para a realização de reuniões, oficinas e capacitações durante o período em que a REURB de Bonito estava sendo elaborada.
 
Políticas de habitação e regularização fundiária não são pensadas para atender às mulheres, por isso a preocupação do EF em realizar o processo e o levantamento de campo que deu base ao projeto de regularização, focando no que garante a lei, ou seja a garantia legal das mulheres em serem beneficiárias do direito à propriedade. No Brasil, pequenas mudanças nesse cenário só começaram a ser feitas a partir de 2012, quando a então presidenta, Dilma Roussef, mudou as regras do programa de habitação popular Minha Casa Minha Vida com a medida provisória de nº 561 de 8 de março daquele ano que passou a conceder às mulheres o título de propriedade dos imóveis adquiridos.
 
Apesar de a constituição federal garantir esse direito, poucos estados, mas, principalmente os municípios, que são os responsáveis por tirar do papel os projetos de REURB o fazem de fato. Na verdade, a grande maioria das cidades brasileiras não desenvolve sequer estudos ou projetos para atender a população que necessita do reconhecimento de suas propriedades através da legalização documental das mesmas.
 
A expectativa, é de que outras 40 famílias que hoje vivem acampadas em uma área de agricultura familiar de Bonito também sejam beneficiadas com a REURB. O compromisso de garantir a essas famílias o direito de suas propriedades foi acordado durante o encontro do prefeito da cidade com as representantes do EF. 
 
Texto escrito por: 
 
Patricia Chaves – diretora do Espaço Feminista;
Tereza Borba – advogada urbanística e consultora jurídica do Espaço Feminista;
Natali 

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