Parecer agora será avaliado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal; decisão de denunciar ou não os citados será dos procuradores da República, mas aprovação do relatório já foi vitória política da bancada ruralista
A CPI da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) na Câmara dos Deputados concluiu na terça-feira (30) seu trabalho, após um ano e meio de funcionamento. O relatório final pede que 67 pessoas sejam indiciadas, entre indígenas, antropólogos, integrantes de ONGs e servidores. O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), relator da CPI e coordenador da frente parlamentar mista da agropecuária no Congresso, concluiu que membros de ONGs atuaram para fraudar processos de demarcação de terras indígenas e estimularam a ocupação de terras privadas. O tucano disse ainda que antropólogos responsáveis por redigir os pareceres de processos de demarcação teriam forjado laudos, entre outros pontos. O relatório final da CPI recebeu fortes críticas da oposição e de entidades que atuam na causa indígenas, que acusaram o colegiado de criminalizar pessoas e entidades que trabalham na área. A comissão foi criada no final de 2015, um dia depois da aprovação, em comissão especial da Câmara, de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que transfere a competência de demarcar terras indígenas da Funai para o Congresso, uma das bandeiras da bancada ruralista. Para deputados da oposição, a CPI foi instalada para gerar um movimento de apoio a essa PEC, que ainda não está em vigor — aguarda votação no plenário da Câmara e, depois, do Senado. O parecer final aprovado pela CPI significou uma vitória política da bancada ruralista e uma derrota para a oposição, mas pode ter impacto criminal nulo para os alvos da comissão, pois cabe ao Ministério Público avaliar se há ou não elementos que apontem que essas pessoas cometeram crimes. Como funciona o pós-CPI Uma vez aprovado pelo colegiado, o relatório final pode ser enviado ao Ministério Público e a outros órgãos públicos, como a Polícia Federal, a Advocacia-Geral da União e a própria Funai, para que avaliem que providências tomar. O parecer de uma CPI também pode pedir o indiciamento de pessoas quando o colegiado entender que há elementos suficientes que indiquem o cometimento de crimes. A decisão de efetivamente indiciar as pessoas ou não, contudo, é da polícia. O QUE OCORRE NA POLÍCIA FEDERAL O relatório da CPI do Incra será enviado à Polícia Federal. Chegando lá, o delegado responsável pode decidir, se achar conveniente, seguir investigando os fatos relatados ou indiciar as pessoas apontadas no relatório. Ao final do procedimento, o delegado envia seu relatório ao Ministério Público com o resultado de sua apuração. Caberá então aos procuradores da República decidir se e como dar prosseguimento ao caso. O QUE OCORRE NO MINISTÉRIO PÚBLICO Paralelamente ao envio à Polícia Federal, o relatório será encaminhado ao Ministério Público. Lá, ele recebe um número e passa a ser equivalente a um inquérito (investigação) recebido da Polícia Federal. Os procuradores da República, então, analisam o material. Se concluírem que há muitos indícios contra os citados, os procuradores podem apresentar uma denúncia (incluindo nela as conclusões da polícia) e pedir ao Judiciário que aquelas pessoas se tornem réus de uma ação penal. Se entenderem que não há elementos mínimos para levar o procedimento adiante, podem arquivá-lo. Uma lei que entrou em vigor no final de 2016 para fortalecer a atuação das CPIs definiu que o Ministério Público, uma vez recebido o relatório da comissão, é obrigado a avaliar se denuncia ou não as pessoas indicadas no parecer. Mas ele não tem um prazo para fazer isso, e a decisão pode demorar se o caso não for considerado prioritário. QUAL É O RESULTADO SIMBÓLICO Os pedidos de indiciamentos aprovados pela CPI da Funai podem resultar na tentativa de responsabilização dos alvos do colegiado ou não ter resultado prático algum na esfera criminal se a Polícia Federal e o Ministério Público entenderem que não há crimes ou provas suficientes. Mas, mesmo nesse cenário mais otimista para os alvos do relatório, a aprovação do texto pelo colegiado é uma vitória da bancada ruralista. O parecer será utilizado como arma de disputa política por congressistas que desaprovam o atual modelo de demarcação de terras indígenas e quilombolas e são críticos a algumas das entidades civis que atuam em defesa dessas causas. O que foi a CPI da Funai O colegiado foi criado ainda durante o governo Dilma Rousseff, quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidia a Câmara, e teve o apoio decisivo da bancada ruralista. O relatório original apresentado por Nilson Leitão, com 3.385 páginas, pedia o indiciamento de mais de 90 pessoas, inclusive de 16 procuradores da República, que segundo o deputado teriam atuado em conjunto com ONGs e antropólogos para apoiar a ocupação de terras privadas e outras práticas irregulares. Posteriormente, Leitão reduziu o número de pessoas no alvo de pedidos de indiciamento e retirou da lista os procuradores da República. Ele também desistiu de pedir a extinção da Funai, como havia feito na primeira versão do parecer. Quais foram as críticas ao relatório Em 16 de maio, ao ser impedido de entrar na Câmara para participar da sessão que discutia o relatório da CPI, Francisco Kaingang, do povo Kaingang, afirmou à Agência Brasil: “Nós, enquanto povos indígenas, repudiamos a maneira como parlamentares estão intervindo nesta questão, com interesse próprio, principalmente dos ruralistas e do agronegócio. A CPI é uma forma de intervir na Funai para acabar com o processo demarcatório das nossas terras tradicionais”. O líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), afirmou que o relatório incentiva a radicalização no campo. “Os setores ruralistas mais radicalizados resolveram desencadear violência de todos os tipos contra os trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas”, diz. Para Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, o relatório da CPI, “criminaliza lideranças indígenas e antropólogos”. Ela destaca que, “ironicamente, mesmo com todas as provas de corrupção levantadas pela Lava Jato, os mesmos parlamentares fizeram CPIs que não encontraram nem condenaram ninguém”. A AJD (Associação Juízes para a Democracia) divulgou uma nota em apoio aos “injustamente criminalizados” pelo relatório de Nilson Leitão. “A mobilização social, a independência funcional, o cumprimento de deveres por agentes estatais e a construção do saber científico, em um Estado Democrático de Direito, não podem ser criminalizados”, diz a entidade. A ABA (Associação Brasileira de Antropologia) também divulgou uma nota na qual manifestou “indignação sobre a trágica solicitação de indiciamento de indígenas e de quem em diferentes funções contribui para a defesa dos direitos de indígenas e quilombolas”. A entidade acusou ainda a CPI de agir “em nome de interesses de setores políticos e grupos econômicos”.
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