COP27: Proteger a biodiversidade é proteger o Acordo de Paris
Unsplash/Alan Godfrey
Em dia dedicado à biodiversidade, especialistas destacam que perda de ecossistemas tem impacto importante no clima; presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou que terá ministério para tratar de questões indígenas e espera que país seja sede da COP em 2025.
Na COP27, a quarta-feira foi dedicada à Biodiversidade. Os debates em Sharm el-Sheikh ocorrem apenas duas semanas antes de uma reunião de alto nível dos Estados Partes da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, com o objetivo de reverter a perda de biodiversidade.
Embora por muitos anos a crise climática e a crise da biodiversidade tenham sido tratadas como questões separadas, os participantes da COP27 destacaram que não há rota viável para limitar o aquecimento global a 1,5°C sem proteger e restaurar a natureza com urgência.
Proteção da biodiversidade
“Os dois precisam ser vistos como paralelos e não um acima do outro”, afirmou a secretária executiva da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, Elizabeth Mrema. A convenção é um instrumento jurídico internacional para proteger a biodiversidade que foi ratificado por 196 nações.
Quatro dos principais idealizadores do Acordo de Paris, incluindo a ex-chefe de mudanças climáticas da ONU, Christiana Figueres, pediram oficialmente aos líderes mundiais que entregassem um acordo de biodiversidade global “ambicioso e transformador” na próxima cúpula sobre biodiversidade.
“As agendas do clima e da natureza estão interligadas. Somente tomando medidas urgentes para deter e reverter a perda da natureza nesta década, enquanto continuamos a intensificar os esforços para descarbonizar rapidamente nossas economias, podemos esperar alcançar a promessa do Acordo de Paris,” disseram em um comunicado.
Florestas, Amazônia e promessas
Promessas importantes destinadas a proteger as florestas foram feitas no ano passado na COP26 em Glasgow.
“Alguns deles estão começando a encarar a realidade. Mas há uma razão pela qual o Egito denominou este evento como a 'COP de implementação'; porque essas garantias e promessas precisam ver ação real”, afirmou a chefe do Pnuma.
Na semana passada, a União Europeia também anunciou um novo quadro de cooperação para reverter o desmatamento na Guiana, Mongólia, República do Congo, Uganda e Zâmbia.
Brasil
Na quarta-feira, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito do Brasil, atraiu uma multidão nos pavilhões e em uma sala de reuniões ao enfatizar que o país fará grandes esforços contra o desmatamento ilegal na Amazônia.
O próximo presidente, que estará à frente do país entre 2023 e 2026, anunciou que o Brasil pretende sediar a COP30 em 2025. Lula destacou que gostaria que o evento acontecesse em um estado amazônico e defendeu que a luta contra a mudança climática e contra a pobreza e a desigualdade devem andar juntas.
O presidente eleito também anunciou a criação do Ministério dos Povos Originários, para olhar pelas causas indígenas. Ele ainda afirmou que vai cobrar a promessa de ajuda aos mais pobres para enfrentar a mudança climática.
“Ele dará grande ênfase à Amazônia e às florestas tropicais. E isso é, claro, um ganho enorme para o clima, para a biodiversidade e para os povos da Amazônia”, disse Andersen, reagindo aos anúncios do líder brasileiro.
A presidência egípcia da COP27 também anunciou hoje uma série de iniciativas relacionadas à proteção da biodiversidade.
Precisamos de ação agora
Os ativistas indígenas, que marcaram presença desde o início da COP27, foram especialmente expressivos hoje, por serem os guardiões da biodiversidade do planeta.
“Minha comunidade foi atingida por dois ciclones em apenas um ano e nossa [toda] cidade foi completamente destruída. Não queremos mais viver assim. Precisamos de um espaço seguro; precisamos de um planeta seguro”, disse Adriana da Silva Maffioletti, uma jovem ativista do Brasil.
Ela acrescentou que esperava que os líderes mundiais ouvissem a liderança indígena em vez de explorá-los. “Os indígenas têm a maneira mais sustentável de viver. Portanto, devemos aprender com eles e não deixá-los de lado nessa luta. Protegemos mais de 80% da biodiversidade do planeta”, explicou.
Adriana da Silva Maffioletti destacou que seu povo deve ser a prioridade número um na luta contra a mudança climática.
“Isso não é algo para amanhã. Isso não é algo para daqui a 10 anos. A crise climática está afetando e matando pessoas neste momento. Então, devemos agir agora”, declarou ela.
Ainda representando o Brasil, a ONU News conversou com as fundadoras da Eco Arts Amazonia, ONG do Mato Grosso que busca defender a Floresta Amazônica. Márcia e Maristela Martins destacaram que a agricultura, importante setor para o país, e o meio ambiente podem andar juntos.
“O Brasil é o maior produtor de soja, de algodão, mas é a maior preservação da floresta do mundo, com 62% de floresta preservada. Então, a mensagem que nós queremos passar é: converse, olhe para a nossa floresta e entenda que nós somos capazes de o mesmo espaço de terra ter 3 a 4 produções no ano. Isso não existe nenhum lugar do mundo. No mesmo espaço físico de terra, produzir soja, algodão, produzir milho, produzir gergelim.”
Ela ressalta que o Brasil é capaz de “alimentar o mundo sem destruir mais nenhuma árvore”.
Entenda a conexão
O Programa Ambiental da ONU, Pnuma, explica que a perda da biodiversidade já está tendo implicações significativas para as mudanças climáticas regionais e globais.
Embora os ecossistemas naturais desempenhem um papel importante na regulação do clima e possam ajudar a sequestrar e armazenar carbono, a perda de florestas, a drenagem de pântanos e outras degradações ambientais em todo o mundo contribuíram significativamente para as mudanças climáticas.
Segundo a agência, esforços para reduzir o desmatamento e a degradação florestal e restaurar ecossistemas, por exemplo, podem contribuir para diminuir as emissões anuais de gases de efeito estufa.
“Se investirmos na natureza e infraestruturas naturais, florestas, recifes de corais, manguezais, florestas costeiras, nos protegemos de fortes tempestades. Eles fornecem um habitat para espécies, mas também armazenam carbono. Portanto, tem uma dimensão de mitigação e adaptação”, a diretora executiva do Pnuma, Inger Andersen.
Recifes de corais ganham novo defensor na COP27
Ao mesmo tempo, a biodiversidade é afetada por eventos climáticos e temperaturas extremas, principalmente nos países em desenvolvimento, devido aos recursos limitados para protegê-los. Isso é preocupante, já que 15 dos 17 países com maior biodiversidade estão no Sul Global.
Os efeitos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade já são visíveis, especialmente com muitas espécies animais forçadas a mudar seus padrões de migração, plantas lutando para se adaptar às mudanças de temperatura. Os ursos polares, seriamente vulneráveis e os símbolo do aquecimento global, estão morrendo de fome no Polo Norte devido à falta de gelo marinho em um mundo em aquecimento.
No oceano, os biólogos estão testemunhando outra tragédia, pois os recifes de coral, que fornecem alimento e abrigo para mais de 7 mil outras espécies, estão morrendo por causa do aquecimento e acidificação do oceano.
A Embaixadora da Boa Vontade do Pnuma, Ellie Goulding, lançou uma nova iniciativa destinada a proteger esses animais na COP27. Na semana passada, ela liderou uma expedição no Mar Vermelho, na costa de Sharm el-Sheikh.
“Existe uma beleza visual pura. Quando você passa com sua máscara e testemunha esta brilhante cornucópia da vida marinha, você sente como se toda a vida estivesse nadando diante de seus olhos. E isso me lembrou que o coral cobre apenas uma pequena porcentagem do fundo do mar, mas abriga um quarto de todas as espécies marinhas conhecidas”, disse ela a um painel nesta quarta-feira.
A cantora lembrou aos participantes que mesmo com 1,5°C de aquecimento, 70 a 90% de todos os recifes serão perdidos; esse número salta para 99% profundamente se o planeta aquecer 2ºC.
“Este é um dos recifes mais tolerantes ao clima do mundo e, por acaso, está bem aqui, a seus pés, em Sharm el-Sheikh. E este não é um recife comum. É um dos grandes sobreviventes da natureza e pode ser a chave para regenerar outros recifes no futuro”, explicou ela.
Ela disse que é “insultuoso” que menos de 0,01% do financiamento climático seja dedicado à proteção dos recifes de corais.
“Peço à comunidade global de líderes que reconheça que os recifes de corais são um de nossos maiores ativos coletivos e que sejam seriamente, seriamente ambiciosos e competitivos em relação a financiamento, restauração e proteção”, disse ela.
Atualizações sobre as negociações
Em relação às negociações, a presidência egípcia da COP27 informou nesta quarta-feira que, infelizmente, muitas delegações estão “atrasando” várias salas de negociações.
“Esperávamos, nas circunstâncias atuais, ver mais disposição para cooperar e acomodar do que estamos vendo nos relatórios que recebemos das várias vias de negociação, reservo o veredicto, talvez alguns países e delegações mostrem mais abertura e acomodações como chegou o último minuto, disse aos jornalistas o embaixador Wael Aboulgmagd, representante especial do presidente da COP27.
Ele acrescentou que, quando estavam adotando a pauta, que incluía pela primeira vez um item de perdas e danos, só tiveram “um avanço” na última hora.
A ONU News conversou com Ruanna Hayes, negociadora da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, que confirmou que as discussões não são especialmente esperançosas no momento.
“Há uma preocupação real sobre como as coisas estão progredindo em todos os setores. Claro, perdas e danos são uma questão-chave, o resultado-chave que a Aliança está buscando nesta COP e as coisas ainda não estão se encaixando”, disse.
O representante especial Aboulgmagd enviou uma mensagem aos negociadores, lembrando que, embora cada delegação deva cuidar de seus interesses nacionais, a situação é terrível, como mostram os relatórios científicos.
“Espero que as delegações nas salas de negociação levem a sério e percebam que precisam mostrar progresso, não em palavras, mas em ação e implementação”, disse.
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