Marivelton Baré, diretor-presidente da Foirn e integrante do GT de Povos Originários, também apontou a necessidade de incentivo a políticas públicas na região
Demarcação de Terras Indígenas, reforço na segurança territorial – principalmente no combate às pressões do garimpo ilegal e do narcotráfico – e políticas públicas para a execução de propostas do Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Alto e Médio Rio Negro (PGTA Wasu), são as prioridades dos povos do Rio Negro, no Amazonas, levadas à equipe de transição do próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
“Temos esse território estratégico que é o Rio Negro, que não se compõe só de Terras Indígenas, mas de Unidades de Conservação. Então, são necessárias políticas e ações positivas de incidência, de iniciativa sustentável para esse mosaico de áreas que tem aqui no Rio Negro”, afirmou Marivelton Barroso, do povo Baré, diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e integrante do GT de Povos Originários.
Nos dias 24 a 26 de novembro, cerca de dez dias após ser indicado para fazer da equipe de transição, Marivelton conduziu a XVI Assembleia Geral Ordinária da Foirn realizada na comunidade de Cartucho, às margens do Rio Negro, em Santa Isabel do Rio Negro (AM).
Durante o encontro, ele informou aos cerca de 150 indígenas presentes sobre sua atuação no GT. Ao final da assembleia, os indígenas divulgaram uma carta de apoio aos trabalhos de Marivelton, reforçando sua representatividade.
Segundo ele, a Foirn, assim como outras organizações e associações indígenas de todo o país, podem e devem encaminhar contribuições ao GT. “O que estou falando nessa assembleia é que nós, os povos do Rio Negro, também devemos levar propostas, temos demandas organizadas a passar para a equipe de transição”, explicou.
A Foirn atua num território de aproximadamente 23 milhões de hectares, numa das áreas mais preservadas da Amazônia, e representa povos de 23 etnias que vivem em áreas urbanas e em cerca de 750 comunidades e sítios nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel da Cachoeira e Barcelos. Entre os povos que vivem nessa região estão os Baré, Baniwa, Tukano, Yanomami, Desano, Wanano e Hupda.
Conforme o PGTA Wasu, da área de abrangência da federação, 65% são constituídos por Terras Indígenas reconhecidas e Unidades de Conservação – sendo 55% de TIs, 10% de UCs e 5% de áreas sobrepostas. Toda essa diversidade ambiental e cultural torna a região estratégica para qualquer política ambiental e que envolva a emergência climática.
Marivelton lembrou que os processos de demarcação estão paralisados há pelo menos seis anos, período que inclui os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2018-2022).
Ele citou cinco processos pendentes na região, sendo que ao menos um deles – a da Terra Indígena Uneiuxi, em Santa Isabel do Rio Negro, com 551.983 hectares – entrou para a lista de 13 demarcações prioritárias indicadas pelo GT Povos Originários em documento preliminar encaminhado à equipe de transição, em 30 de novembro.
Em três casos paralisados, ainda falta a homologação, que é a última etapa do procedimento de demarcação, sendo os da Terra Indígena Cué-Cué Marabitanas, da Terra Indígena Jurubaxi-Téa e da Uneiuxi.
Estão pendentes ainda as Terras Indígenas Aracá-Padauari – entre Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro – e Baixo Rio Negro e Caurés, na região de Barcelos. Nesses dois últimos casos, segundo a Foirn, o próximo passo é a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (Rcid).
Na área de abrangência da Foirn há ainda seis Terras Indígenas homologadas: Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Rio Apapóris, Rio Téa, e Balaio.
Segurança territorial e políticas públicas
Quanto à questão do reforço na segurança territorial, Marivelton explica que São Gabriel da Cachoeira fica na fronteira entre Brasil, Venezuela e Colômbia, o que demanda diálogo com o Ministério da Defesa.
As principais pressões, dependendo da área, vêm do narcotráfico, do garimpo e do turismo ilegal de pesca esportiva, esse último principalmente na região do Médio Rio Negro, que causam impacto ambiental e cultural, colocando em risco a sobrevivência das populações e seus modos de vida.
“É necessário o fortalecimento de proteção e fiscalização dos territórios. E essa não é só uma realidade do Rio Negro”, disse o diretor-presidente da Foirn.
Além dessas duas demandas – demarcação e segurança – que devem entrar na agenda prioritária do novo Governo Federal, o território do Rio Negro já tem uma série de propostas para implementação na região e que estão elencadas no PGTA Wasu em áreas como saúde, educação e economia da sociobiodiversidade.
As propostas foram elaboradas após processo de consulta às comunidades indígenas, num trabalho conjunto entre ISA e Foirn, e levam em conta os modos de vida dos povos da região.
Marivelton contou que está em discussão pelo GT Povos Originários a estruturação do Ministério dos Povos Originários – promessa de campanha de Lula – e os possíveis nomes para ocupar a pasta.
Até agora, o nome mais citado para assumir é o da deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR), mas ainda não há uma definição.
Os debates vão além e buscam meios de criar condições para que os órgãos públicos que atuam com os povos indígenas possam, de fato, voltar a funcionar. Entre eles estão a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
“A política nacional indigenista ficou durante esse período muito fragilizada, paralisada, invisibilizada, desconstruída. É necessário recompô-la”, defendeu Marivelton.
Além disso, o GT vem conduzindo um processo apelidado de “revogaço”, que consiste em produzir um levantamento de todos os atos que precisam ser revogados para o andamento das políticas indigenistas e proteção dos territórios indígenas.
O relatório final deve ser elaborado até 11 de dezembro.
Questionamentos
Logo após o anúncio de que o diretor-presidente da Foirn faria parte do GT de Povos Originários, a liderança indígena passou a ser alvo de questionamentos sobre sua representatividade. Parte do Setorial Nacional de Assuntos Indígenas do Partido dos Trabalhadores (PT) questionou sua legitimidade para compor o grupo.
Em seguida, a liderança indígena do Rio Negro teve o apoio – por meio de notas oficiais – das principais organizações indígenas do país, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Durante a XVI Assembleia Geral Ordinária da Foirn, em Cartucho, Marivelton recebeu também o apoio dos povos indígenas que representa.
“Acreditamos ser legítimo que o setorial do PT busque assento no GT de Transição para assuntos indígenas, mas jamais iremos tolerar ataques que afrontam e deslegitimam o trabalho das nossas lideranças e do movimento indígena no Rio Negro, em especial nesse caso ao dirigente maior da Foirn, que desenvolve ações em defesa direitos indígenas, reconhecida em nosso território, a nível nacional e internacional”, diz a nota.
Liderança jovem, Marivelton está em seu segundo mandato, tendo sido reeleito em novembro de 2020, com representantes do território do Alto e Médio Rio Negro.
“A Foirn não representa um município. Ela representa um território e um coletivo de povos como estatutariamente é garantido. Essa representatividade pode incomodar. Há um longo trabalho que deve ser feito em colaboração. Esse convite foi feito à Foirn, da qual sou o atual presidente”, ponderou.
GT de Povos Originários
Os nomes dos integrantes do GT de Povos Originários foram divulgados pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, em 16 de novembro. No dia seguinte, a Apib reivindicou a inclusão de mais cinco nomes.
Os membros do grupo são:
- Benki Piyãko, representante político e xamânico do povo Ashaninka
- Célia Xakriabá, professora e ativista indígena do povo Xakriabá, eleita deputada federal por Minas Gerais
- Davi Kopenawa Yanomami: presidente da Hutukara Associação Yanomami
- João Pedro Gonçalves da Costa, ex-senador pelo Amazonas e ex-presidente da Funai
- Joênia Wapichana, primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, em 2018
- Juliana Cardoso, deputada federal eleita (PT-SP)
- Marcio Meira, ex-presidente da Funai
- Marivelton Baré, presidente da Foirn
- Sônia Guajajara, líder indígena e deputada federal eleita por São Paulo
- Tapi Yawalapiti, líder e cacique do povo Yawalapiti da região do Alto Xingu, na Terra Indígena do Xingu
- Kleber Karipuna e Eunice Kerexu, coordenadores executivos da Apib
- Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib
- Yssô Truká e Weibe Tapeba, lideranças de base da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)
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