Por Nieves Zúñiga, revisado por Fernando Galeana-Rodríguez professor assistente de Sociologia e Conservação Integrativa na William & Mary, e Harald Mossbrucker, coordenador do projeto na Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) em Honduras.
De acordo com algumas teorias, Honduras deve seu nome às honduras, ou profundezas, de sua costa caribenha que permitiram que os navios se aproximassem da costa sem ancorar e que seus navegadores pudessem ir a pé até o segundo maior país da América Central. Seus 112.490 km2 [1] ocupam montanhas, vales e selva, e são delimitados pelo Mar do Caribe no norte e pelo Oceano Pacífico no sul. Honduras é o lar do segundo maior recife de coral do mundo.
Honduras possui 19 bacias hidrográficas compostas de 45 rios. A partir de 2017, existiam 34 usinas hidrelétricas no país. Megaprojetos para a construção de barragens hidrelétricas recebem concessões fluviais e são financiados por capital estrangeiro.
Sua população de cerca de 10 milhões de habitantes é etnicamente diversa. A maioria é branca ou mestiça, a população indígena, Miskitu (descendentes dos povos indígenas Bawinka e Tawahka, Africanos e Europeus) [2] e Garifuna (descendentes de Africanos e indígenas Caribes e Arahuacos) constituem 7% da população, e há uma minoria de população negra.
Honduras era um dos países da América Central, junto com a Guatemala, Costa Rica e Panamá, conhecido como "república bananeira". Essa denominação tinha um caráter pejorativo, pois era utilizada para definir países considerados corruptos, instáveis, dependentes da exportação de produtos de baixo valor agregado, e sob o controle de empresas bananeiras sobre os governos. Suas origens estão numa economia focada na produção de bananas em mãos estrangeiras desde o início do século 20, quando empresas estadunidenses como a United Fruit Company se estabeleceram, principalmente na costa norte, para a produção e distribuição de bananas. A permanência dessas empresas no país durou décadas e teve uma grande influência na economia e na política do país. Elas não estavam isentas de controvérsias devido às condições de emprego que ofereciam, provocando protestos de seus(suas) trabalhadores(as) que culminaram em uma greve em 1954 [3].
Não é coincidência que a reforma agrária dos anos 60 e 70 tenha tido seu maior impacto no norte. A reforma agrária foi decretada durante um governo militar reformista e ocorreu no âmbito do programa de ajuda econômica, política e social Alianza para el Progreso (Aliança para o Progresso), promovido pelos Estados Unidos como uma estratégia para mitigar a expansão do comunismo na América Latina. Até os anos 90, foram entregues 289.000 hectares, dos quais 66% foram distribuídos no norte do país [4]. As terras abandonadas pelas empresas de banana e devolvidas ao estado tornaram possível um processo de colonização organizado pelo estado. Os assentamentos camponeses e a formação de cooperativas foram consolidados nesta parte do país, e as zonas de fronteira agrícola foram ampliadas. Nos anos 90, o setor cooperativo diminuiu devido à venda de terras a multinacionais para a produção de óleo de palma e cana-de-açúcar, causando numerosos conflitos entre as multinacionais e os(as) camponeses(as). Naquela época, ocorreu a chamada "contra-reforma agrária", promovida pelo governo como parte de um processo de ajuste estrutural no qual foi criado um mercado de terras em áreas onde havia distribuição agrária, causando um grande impacto nas populações rurais e nos movimentos camponeses [5].
Nos últimos anos, de acordo com o Banco Mundial, Honduras registrou a segunda maior taxa de crescimento econômico da América Central, mas continua sendo um dos países mais pobres e desiguais do hemisfério ocidental [6].Antes do impacto da pandemia de Covid-19, 25% da população vivia em extrema pobreza e quase a metade (4,4 milhões de pessoas) em condições de pobreza [7]. A situação nas áreas rurais é particularmente difícil. Isto é evidenciado pelo fato de que, desde 2014, a pobreza extrema aumentou nestas áreas enquanto que a pobreza tendeu a diminuir no resto do país. A falta de dados recentes sobre a posse da terra para ajudar a criar políticas eficazes e a fragilidade da estrutura institucional para a governança fundiária contribuem para as dificuldades experimentadas nas áreas rurais.
Legislação e regulamentação de terras
A Constituição de 1982 "reconhece, promove e garante a existência da propriedade privada em seu mais amplo conceito de função social e sem outras limitações além daquelas estabelecidas por lei por motivos de necessidade ou interesse público" (Art. 103). A Constituição inclui um capítulo sobre reforma agrária, definido como um processo abrangente "destinado a substituir o latifúndio e a minifúndio por um sistema de propriedade, posse e exploração da terra que garanta a justiça social no campo e aumente a produção e produtividade no setor agrícola" (Art. 344).
Em 1992, a Lei de Modernização e Desenvolvimento Agrícola, também conhecida como Lei Norton, foi aprovada, em teoria, para modernizar a agricultura e incentivar o aumento da produção, comercialização interna e externa e desenvolvimento agro-industrial [8]. Esta modernização implicou na liberalização do mercado fundiário, reintroduzindo o arrendamento de terras, que havia sido proibido pela Lei de Reforma Agrária de 1974. Isto levou muitos produtores diretos a se tornarem co-investidores ou proprietários de terras alugadas [9]. A Lei Norton também levou a uma redução na ajuda ao campesinato, favorecendo as exportações em detrimento da produção para o mercado interno. Também tornou possível a venda de terras distribuídas pela reforma agrária, seja voluntariamente ou pela força, com até 70% das terras sendo vendidas em áreas como Bajo Aguán [10].
De acordo com a avaliação do Banco Mundial de 2014 sobre a governança fundiária em Honduras, as reformas realizadas através da elaboração de leis e da criação de instituições para regularizar os direitos de propriedade e melhorar o acesso à terra até agora produziram poucos resultados [11]. Uma das dificuldades encontradas foi a falta de coordenação e complementaridade entre a diversidade das leis e instituições, criando lacunas ou sobreposições que impediram uma governança fundiária eficaz. Por exemplo, a Lei de Municípios e a Lei de Gestão de Terras não tinham regras claras para sua devida implementação [12]. Em 2014, conforme observado pelo Banco Mundial, pelo menos dez instituições governamentais tinham competências para a administração estatal de terras.
Outros desafios identificados na avaliação são a necessidade de um sistema jurídico flexível para acomodar a coexistência de diferentes regimes de terra e reconhecer uma ampla gama de direitos; reconhecer os direitos de posse da terra dos povos indígenas e Garifuna; criar um inventário de terras estatais; compensação justa para expropriações; incentivar o registro de parcelas individuais sem excluir as mulheres e outros grupos vulneráveis; lacunas e sobreposições legais e institucionais que aumentam a discrição dos(as) funcionários(as); baixa cobrança do imposto fundiário que impede a prestação de serviços públicos em nível local; e má implementação das leis, como evidenciado pela perda da cobertura florestal [13].
No nível administrativo, o relatório do Banco Mundial também aponta desafios relacionados a questões de transparência, responsabilidade e governança da administração pública de terras, e a necessidade de fornecer informações relevantes, precisas e acessíveis ao público, bem como serviços de administração de terras acessíveis e a preços razoáveis [14]. Não foram encontrados estudos recentes para avaliar até que ponto a governança fundiária melhorou desde 2014, mas houve algumas iniciativas concretas. Por exemplo, em 2015, o Instituto Nacional Agrário (INA - sigla em espanhol) anunciou sua participação no programa governamental para melhorar a transparência "Tu voz sí cuenta... para la transparencia" (Sua voz conta... para a transparência) [15]. Assim, o INA criou um Portal Único de Transparência em seu site com informações sobre a estrutura organizacional da instituição, planejamento e prestação de contas, finanças, regulamentação, além de permitir que os(as) usuários(as) façam sugestões [16].
A avaliação do Banco Mundial também aponta algumas melhorias, tais como a Lei de Propriedade que, em 2004, introduziu reformas nos processos de registro e cadastro através da introdução de tecnologia que reduziu os custos e tempos de transação [17]. Além disso, a Lei de Propriedade introduziu outras mudanças como a integração das informações cadastrais e de registro para criar uma chave única por parcela, a criação do Instituto de Propriedade como o mais alto órgão governamental sobre o assunto, e a criação do sistema nacional de administração de propriedade como uma plataforma para integrar e gerenciar as informações sobre a propriedade [18].
Em 2019, o Decreto Executivo PCM-052-2019 concedeu às Forças Armadas o poder de administrar milhões em fundos para desenvolver o setor agrícola como parte do Programa Hondurenho de Desenvolvimento Agrícola (PDAH - sigla em espanhol) [19]. Embora o envolvimento das Forças Armadas no trabalho de reforma agrária tenha sido declarado pelo governo como sendo coberto pelo artigo 274 da Constituição [20], em 2022 a Câmara Constitucional declarou o decreto inconstitucional, ouvindo um recurso constitucional apresentado em 2019 pela Central Nacional dos Trabalhadores do Campo (CNTC - sigla em espanhol) e pelo Conselho para o Desenvolvimento Integral da Mulher Rural (CODIMCA - sigla em espanhol) [21]. Em 2020, o Ministério Público também declarou que a transferência de funções agrícolas para as Forças Armadas infringiu a Constituição ao violar a esfera de competência militar em defesa da integridade e soberania, conforme estipulado no artigo 274 e ao definir a reforma agrária como um processo integral no artigo 344 da Constituição [22].
O envolvimento das Forças Armadas no setor agrícola, juntamente com uma situação caracterizada pela desarticulação da pequena e média produção agrícola, pobreza e conflito no campo, importação de alimentos, migração e crise ambiental, levou as organizações camponesas hondurenhas a propor uma solução em 2020 através da proposta da Lei de Emergência para a Reativação do Setor Agrícola, Pecuário e Florestal para Combater a Pobreza [23]. Com esta lei, a Via Campesina Honduras e o Centro de Estudos para a Democracia (CESPAD - sigla em espanhol) se propõem o seguinte: 1) criar um Conselho Nacional de Produção Agrícola, Pecuária e Florestal como o órgão máximo de planejamento para a agricultura; 2) criar um inventário de arquivos acumulados pendentes de resolução final para estabilizar mulheres e jovens; 3) reativar a produção através de medidas como a construção e reativação da irrigação massiva; produzir, conservar e fazer uso racional da água; 4) conceder crédito agrícola a pequenos(as) e médios(as) produtores(as) a 0% de juros por cinco anos consecutivos; 4) um plano de reflorestamento massivo; 5) mudar o modelo de produção agrícola para um modelo de pequena e média produção; 6) projetar e executar uma campanha de educação e conscientização sobre os impactos da crise agrária; 7) implementar um plano de estudo através de subsídios ligados ao setor agrícola, pecuário e florestal; 8) aplicar a Lei CREDIMUJER [24].
Classificações de posse de terra
Um dos principais desafios para a governança fundiária em Honduras é a falta de dados atualizados sobre a posse e o uso da terra no país. O último censo agrícola foi realizado em 1992-1993 e a última pesquisa agrícola nacional é de 2007-2008. Um teste piloto para um Censo Agrícola Nacional foi realizado em 2019 com o apoio da União Europeia e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO - sigla em inglês) [25],mas não há registro de que o censo tenha sido realizado. A falta de dados impede uma compreensão objetiva dos problemas que caracterizaram a posse da terra em Honduras no passado, como o acesso desigual à terra, e impede o desenvolvimento de políticas públicas que respondam de forma confiável à realidade atual. Em dezembro de 2022, o governo anunciou que Honduras realizará um novo Censo Agrícola Nacional, 30 anos após o último, para o qual criará a Comissão Interinstitucional para o Censo Agrícola Nacional [26].
A última Pesquisa Agrária de 2008 estabelece como formas de posse da terra o domínio total, o domínio utilizável, a terra em processo de legalização e outras formas não especificadas [27]. Terra de propriedade livre é a terra que foi legalizada e tem títulos de propriedade. De acordo com a pesquisa de 2008, naquela época, a terra de livre propriedade ocupava 70,9% da área da amostra da pesquisa. As pessoas com terras de usufruto só têm o direito de usufruto da terra e, naquela época, representavam 16 da terra. "Outras formas" de posse incluem terras que foram desapropriadas com a reforma agrária e terras de propriedade familiar, mas que não passaram por um processo de posse legal. Juntos, eles representavam 5,4% da terra [28]. É importante salientar que estes números se baseiam na amostra da pesquisa de 2008, já que grande parte das lavouras em Honduras não estão registradas sob nenhuma modalidade.
Tradicionalmente, a concentração da terra e o acesso desigual á mesma tem marcado a posse fundiária em Honduras. De acordo com dados do censo, em 1992 a concentração da terra não mudou substancialmente em relação ao censo anterior em 1974, segundo o qual propriedades de 50 hectares representavam 4% dos bens e ocupavam 55% do total da terra, enquanto 63% das propriedades eram menores que 5 hectares e ocupavam 9% do total [29]. Entretanto, a tendência mostrada pelo censo de 1992 foi de uma fragmentação das propriedades menores do que 5 hectares e uma ligeira redução das propriedades maiores do que 50 hectares (30). Esta mudança coincide com a implementação da Lei de Reforma Agrária de 1975. De acordo com os dados mais recentes disponíveis, da Pesquisa Agrária 2007-2008, naqueles anos 70% das parcelas de terra eram menores que 5 hectares e ocupavam 8,6% da área da terra (31). Em 24% das parcelas de terra, a área era inferior a 5 hectares. Um nível de concentração é percebido nas parcelas entre 50 e 500 hectares, que são apenas 4,6% e ocupam 43% da área. Finalmente, as parcelas maiores que 500 hectares representavam 2,2% e cobriam 18% da área total [32].
A máxima instituição governante na área da propriedade é o Instituto da Propriedade. O Instituto Nacional Agrário (INA - sigla em espanhol) [33] tem autoridade apenas sobre as terras nacionais.
Direitos coletivos à terra
A demanda por direitos coletivos à terra em Honduras vem principalmente dos povos indígenas e da população Garífuna. Segundo um estudo da CEPAL, as reivindicações de terras dos povos indígenas cobrem aproximadamente 2 milhões de hectares (17,8% da superfície nacional) [34]. Até o momento, não há dados claros sobre qual porcentagem da área reivindicada pelos povos indígenas já foi titulada.
Embora Honduras tenha ratificado a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [35], sobre Povos Indígenas e Tribais, e votado a favor da adoção da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a legislação nacional para proteger os direitos dos povos indígenas é muito limitada. A Constituição de 1982 reconhece no artigo 346 que é dever do Estado promulgar medidas para proteger os direitos e interesses das comunidades indígenas, especialmente as terras e florestas onde essas comunidades estão estabelecidas. Não há menção na Constituição das comunidades afrodescendentes ou garifunas. Por enquanto, este dever foi traduzido na Política Pública contra o Racismo e a Discriminação Racial para o Desenvolvimento Integral dos Povos Indígenas e Afro-Hondurenhos (P-PIAH) de 2016 [36]. Esta política visa responder a algumas das demandas desses povos e à situação de pobreza que sofrem através de medidas que promovem sua inclusão, mas não faz nenhuma menção à questão da terra, um elemento chave para seu desenvolvimento. Por outro lado, o governo reconhece o povo Garifuna como um dos nove povos étnicos de Honduras, o que explica porque as e os Garifuna fazem parte da Confederação dos Povos Indígenas de Honduras (CONPAH - sigla em espanhol) [37].
Grupo de Garifunas fazendo uma demonstração de Punta em uma praia hondurenha. Foto: Álvaro Dia (CC BY-SA 4.0)
Os direitos à terra dos povos indígenas continuam a ser uma demanda não atendida em Honduras. Isto foi observado pela Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas Victoria Tauli-Corpuz durante sua visita a Honduras em 2015. Tauli-Corpuz enfatizou que um problema fundamental enfrentado por esses povos é a falta de pleno reconhecimento, proteção e usufruto de seus direitos às suas terras, territórios e recursos naturais ancestrais [38]. Na prática, uma das principais ameaças são as reivindicações de terceiros sobre terras indígenas, mesmo quando estas são intituladas, para projetos extrativos e energéticos, pecuária, turismo e áreas protegidas, incluindo a venda ilegal de terras. Muitas vezes, a presença de terceiros em terras indígenas leva a conflitos, como aconteceu em Auka, em La Muskitia, devido à presença de colonos em terras comunitárias originárias em 2015 [39]. O conflito terminou com a assinatura de um acordo entre o governo hondurenho e a comunidade, no qual o governo concordou em investigar o que aconteceu, punir os(as) responsáveis(as) e limpar a terra, entre outras coisas, mas não há registro de que este acordo tenha sido cumprido.
Em Honduras, a área total ocupada pelos povos indígenas é de floresta (3,6 milhões de hectares) [41] A Lei de 2007 sobre Silvicultura, Áreas Protegidas e Vida Selvagem (41) reconhece o direito a áreas florestais em favor dos povos indígenas e afro-hondurenhos localizados nas terras que tradicionalmente possuem e de acordo com as leis nacionais e a Convenção 169 (Art. 45). Entretanto, a falta de consulta prévia - em violação ao direito consagrado na Convenção 169 - sobre projetos como a criação de barragens, a concessão de licenças de exploração madeireira e mineradora, ou projetos turísticos que afetam as comunidades indígenas e garífunas, também tem levado a conflitos e violência. O povo Tolupán, por exemplo, sofreu 40 assassinatos em 20 anos, assédio judicial e ataques por projetos opostos de exploração madeireira e de mineração no departamento de Yoro [42]. A fim de garantir a implementação do direito de consulta, o governo hondurenho promoveu um projeto de lei chamado Lei Najera que, em 2020, teve a oposição das comunidades indígenas por, em sua opinião, incentivar a atividade de extração de recursos por parte das multinacionais e procurar desapropriá-los(as) de seu território [43]. As críticas indígenas apontam para a necessidade de alinhar a estrutura jurídica nacional com os direitos reconhecidos internacionalmente.
Outro desafio para os povos indígenas tem a ver com o acesso a recursos em suas terras e a demarcação de áreas protegidas [44], que em muitos casos coincidem com territórios ancestrais indígenas[45]. Um aspecto central da divergência entre os dois é a diferença de entendimento de território e recursos entre os povos indígenas e o Estado. Enquanto para os povos indígenas o território é um todo integrado e a integração entre homem e natureza é a base do desenvolvimento, na concepção do Estado a natureza é vista como um bem a ser conservado sem que os seres humanos façam parte dele [46]. A Lei de Florestas, Áreas Protegidas e Vida Silvestre proíbe novos assentamentos em áreas protegidas, e aqueles(as) que ali viviam antes da promulgação da lei foram reassentados(as) em "zonas-tampão". Entretanto, de acordo com o artigo 133, os povos indígenas e afro-hondurenhos que vivem em áreas protegidas estão isentos desta disposição. Entretanto, não está claro se a lei vincula a propriedade desses recursos à propriedade da terra, portanto, o artigo 133 não se aplicaria nos casos em que a terra dos povos indígenas não é titulada.
Uma situação semelhante pode surgir em relação aos territórios de REDD+ (redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal, conservação e aumento dos estoques de carbono, e manejo florestal sustentável). De acordo com um relatório da USAID, REDD+ em terras indígenas que não foram reconhecidas poderia arriscar e restringir o acesso ao território e aos recursos, bem como incentivar a ocupação da terra por outros(as) atores(as) [47]. Cientes desses riscos, o Conselho Indígena Popular de Honduras (COPINH - sigla em espanhol) e a Organização Fraternal Negra de Honduras (OFRANEH- sigla em espanhol) se opuseram à implementação de REDD+ [48] como, segundo o COPINH, outra forma de privatizar seus recursos naturais [49].
Apesar desses desafios, vale a pena notar o progresso na forma como o reconhecimento dos direitos indígenas à terra foi entendido no caso do povo Miskitu. Durante duas décadas, o Instituto Nacional Agrário (INA - sigla em espanhol) considerou a comunidade indígena como a entidade política e jurídica para a entrega de títulos de terras coletivas e o fez para áreas relativamente pequenas, tais como terras agrícolas e pecuárias em torno de assentamentos indígenas [50]. Esta abordagem mudou com a titulação dos 12 conselhos territoriais do povo Miskitu entre 2012 e 2016. Neste caso, os titulares foram os conselhos territoriais, não as comunidades, e o direito dos povos indígenas ao território, entendido como vastas áreas que cobrem todo o habitat funcional de um grupo de comunidades, foi reconhecido [51]. Assim, os onze títulos emitidos no período 2012-2015 medem em média 100.000 hectares cada um, enquanto os títulos emitidos anteriormente mediam em média 590 hectares cada um [52]. De acordo com os últimos dados encontrados, a partir de 2021, o número total de títulos emitidos para os povos indígenas da Muskitia é de 1.114.976 hectares [53].Desde os anos 80, MASTA, a federação que representa os(as) Miskitus de Muskitia, vem exigindo a titulação de suas terras para impedir a expansão da fronteira agrícola, mas só depois do golpe de Estado de 2009, e em meio a uma crise de legitimidade, é que o governo de Porfirio Lobo concordou em titular 12% do território em nome dos(as) Miskitus. A negociação entre o governo, persuadido pelo Banco Mundial a incluir a regularização das terras Garifuna e Miskitas no Programa de Administração de Terras (PATH - sigla em espanhol), e MASTA responde, segundo um estudo, em parte às agendas políticas e às relações clientelistas entre as duas partes [54]. Segundo o estudo, a titulação ocorreu em um momento de intensa polarização, e não impediu o governo de continuar ocupando as terras Miskitu em nome da guerra às drogas e da construção de projetos extrativistas e hidrelétricos.
Com relação à população Garifuna, seus territórios na costa caribenha de Honduras são frequentemente procurados para projetos turísticos. Foi o caso da comunidade Garífuna de Barra Vieja, onde foi construído o projeto turístico Los Micos Beach and Golf Resort, mais tarde rebatizado de Indura Beach and Golf Resort. Para sua construção, as autoridades governamentais processaram a população local na corte e ordenaram seu despejo forçado. Algumas fontes alegam que a empresa Desarrollo Turístico Bahía de Tela (DTBT - sigla em espanhol) foi responsável por estes despejos, embora neguem isto [55].
Parte das dificuldades dos(as) Garifuna em fazer valer seus direitos fundiários é que o Estado não os(as) reconheceu legalmente como um povo indígena e, portanto, em sua opinião, não é apropriado que a Convenção 169 se aplique a sua situação [56]. No entanto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em várias ocasiões, acusou o Estado hondurenho de não respeitar os direitos coletivos de terra e de consulta dos povos Garífunas. Em 2020, por exemplo, a CIDH levou Honduras perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo falha do Estado em proteger as terras ancestrais das comunidades Garífunas de San Juan e Tornabé, e por ameaças contra vários(as) de seus(suas) líderes [57]. A CIDH concluiu que "a falta de titulação de todo o território da Comunidade de San Juan pelo Estado, incluindo falhas em garantir a propriedade e posse pacífica e a não-interferência por terceiros, bem como a não adoção de legislação de acordo com as normas internacionais, violou o direito de propriedade coletiva em detrimento da Comunidade e de seus(suas) membros" [58]. Também considerou que a falta de consulta prévia sobre a concessão de projetos turísticos em parte das terras reivindicadas pela comunidade violou os direitos da comunidade à propriedade coletiva, ao acesso à informação e à participação em assuntos que os(as) afetam, conforme estipulado na Convenção 169.
Ilhas Cochinos, Honduras. Foto: Carlos Zacapa (Licença Unsplash)
Tendências de uso do solo
Mais da metade da área terrestre de Honduras é área florestal (56,8% em 2020), a qual vem diminuindo progressivamente (em 1990 era de 62,5%) [59]. De acordo com um estudo recente, entre 2000 e 2016, a área de floresta intacta em Honduras foi reduzida em 30% [60]. De acordo com um estudo do Ministério de Energia, Recursos Naturais, Meio Ambiente e Minas (MiAmbiente+), as causas do desmatamento, de acordo com as percepções dos atores florestais, são a falta de aplicação das leis, políticas públicas contraditórias, falta de coordenação e liderança, insegurança jurídica da posse da terra, manejo florestal, corte ilegal de madeira, criação extensiva de gado, pragas e doenças, entre outros [61]. A isto deve ser acrescentada a apropriação de terras relacionadas ao tráfico de drogas em algumas partes de Honduras. Alguns estudos mostram que o tráfico de drogas está relacionado ao desmatamento no momento em que a terra é desmatada para o agronegócio por lavagem de dinheiro, narco-florestamento ou para estabelecer o controle territorial sobre as rotas de abastecimento por terra [62].
Dados de 2018 indicam que as terras agrícolas ocupam 30% da área de Honduras [63]. A tendência neste sentido tem flutuado nas últimas décadas de 26% em 1961 para 31% em 1993, um aumento que coincide com a aprovação da Lei de Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola. Mas até o ano 2000, ela diminui novamente para 26% e depois aumenta em 2018 [64].
Não foram encontrados dados atuais sobre as culturas em Honduras em nível nacional, mas nos anos 70 ocorreram quatro mudanças importantes na agricultura hondurenha com consequências para a atualidade: a modernização da pecuária, a expansão da produção de açúcar, a expansão do cultivo de café e a expansão da produção de palma africana [65]. A pecuária aumentou em todo o país, com 53,8% das terras dedicadas ao pasto para o gado em 2008 [66]. Uma mudança estrutural ocorreu nos anos 90 quando o setor de exportação passou da agricultura para a maquila em sua maioria. Em 2010, as culturas de exportação de café, cana-de-açúcar e palma, juntamente com legumes e frutas, representaram 45% da produção agrícola [67]. A produção de grãos básicos caiu 18% entre 1990 e 2010, o que, de acordo com alguns estudos, causou um problema de segurança alimentar por não se correlacionar com o crescimento populacional [68].
A migração da população para as cidades aumentou significativamente nas últimas décadas, passando de 23% em 1960 para 58%, em 2020 [69]. Em 2010, a área de terra urbana era de 3.702 km2 [70].A migração internacional também é significativa e, de acordo com alguns estudos, suas causas incluem consequências derivadas da mudança climática, como a seca de 2018 [71].
Frutas de palma empilhadas no Vale de Aguán, foto do ICIJ, CC BY-NC-ND 2.0
Investimentos fundiários
Os investimentos fundiários em Honduras são de natureza diversa e são dedicados principalmente às seguintes atividades: projetos hidrelétricos, projetos turísticos, pastagens e monoculturas agrícolas.
Honduras possui 19 bacias hidrográficas compostas de 45 rios. A partir de 2017, existiam 34 usinas hidrelétricas no país [72]. Megaprojetos para a construção de barragens hidrelétricas recebem concessões fluviais e são financiados por capital estrangeiro. Por exemplo, o megaprojeto Patuca I, II e III abrange três departamentos (Olancho, El Paraíso e Colón) e é financiado pelo governo chinês [73]. Até agora, apenas o Patuca III em Olancho foi concluído. Estes projetos são questionados por seu impacto ambiental, pois desviam todo o curso de água para uma turbina, causando a morte da vida natural do rio, afetando negativamente o meio ambiente e privando as comunidades de água [74]. Isto leva a conflitos com as comunidades. As empresas hidrelétricas são às vezes acusadas de estarem por trás de ameaças de ativistas ambientais. Por exemplo, em 2021, um ex-executivo da empresa hidrelétrica Empresa Desarrollos Energéticos (DESA - sigla em espanhol) foi condenado como co-conspirador no assassinato da ambientalista hondurenha Berta Cáceres, em 2016 [75]. De acordo com a Global Witness, Honduras está entre os países mais perigosos para o ativismo ambiental, com 120 mortes desde 2010 [76].
Falando no megafone: Berta Zúñiga Cáceres (filha de Berta Cáceres). Foto: Daniel Cima (CC BY 2.0)
O turismo é uma das principais fontes de investimento em Honduras. Ele contribui com mais de 8% para o Produto Interno Bruto (PIB) e emprega mais de 200.000 famílias [77]. A Estratégia Nacional de Turismo Sustentável 2006-2021 promoveu o crescimento do turismo ao priorizar a consolidação dos principais destinos turísticos através da construção de infra-estrutura e equipamentos ligados a este setor [78]. Até 2021, esperavam-se entre 30 e 80 milhões de dólares para cerca de 10 projetos [79]. O objetivo foi transformar a Costa Norte, habitada por comunidades Garifuna, no principal motor do turismo em Honduras, o que levou a conflitos com essas comunidades. A sociedade civil, as organizações indígenas e negras denunciam o fato de que os projetos turísticos geralmente oferecem concessões em áreas protegidas e territórios indígenas e negros, violando o artigo 6 da Convenção 160 sobre a proteção obrigatória dos recursos em terras indígenas, bem como o direito de consulta e participação em projetos de investimento em suas terras [80].
As principais monoculturas agrícolas investidas em Honduras têm sido o óleo de palma e a cana-de-açúcar [81]. Honduras está entre os 10 maiores produtores de óleo de palma do mundo. 190.000 hectares, principalmente na costa atlântica de Cortés a Colón, foram dedicados a esta cultura em 2019 [82]. A posse de terra e o desmatamento são problemas preocupantes em praticamente todos os países onde o óleo de palma é cultivado, mas em Honduras é ainda mais preocupante, pois está se expandindo em áreas ligadas ao tráfico de drogas [83]. Também é preocupante a apropriação de água para o cultivo do dendê e seu cultivo em áreas protegidas. Por exemplo, nos parques nacionais de Punta Izopo e Jeanette Kawas, a cana de açúcar tem ocupado entre 20 e 30% das áreas protegidas [84]. O cultivo da cana de açúcar é um dos pilares da economia hondurenha, empregando mais de 40% da população economicamente ativa onde os engenhos de açúcar operam levando em torno de 70 milhões de dólares em moeda estrangeira através de exportações [85]. Honduras é o quarto maior produtor de cana-de-açúcar da América Central.
Vale destacar algumas decisões recentes tomadas pelo governo hondurenho que mudaram o rumo de certos planos de investimento que afetam a terra. Por um lado, em janeiro de 2022 Honduras se declarou um país livre de mineração a céu aberto, e o Ministério de Energia e Recursos Naturais anunciou a revisão, suspensão e cancelamento das concessões e licenças para exploração extrativa por serem prejudiciais ao país, ameaçando os recursos naturais, a saúde pública e limitando o acesso à água [86]. Existem 217 concessões de mineração em Honduras, 42 das quais estão localizadas em áreas protegidas, cobrindo uma área de 131.515 hectares. A mineração tem sido a causa de importantes conflitos como o conflito Guapinol em Colón, que começou em 2018 devido aos projetos de mineração da empresa Inversiones Los Pinares (ILP - sigla em espanhol) no Parque Nacional Carlos Escaleras, afetando o rio Guapinol, e por ignorar repetidamente o pedido do Comitê Municipal de Tocoa de realizar uma consulta na forma de uma assembleia aberta com o prefeito da cidade [87]. Segundo as Nações Unidas, em 2022, o Judiciário de Honduras condenou seis ambientalistas que se opuseram ao projeto de mineração a mais de dois anos de "prisão preventiva injustificada" [88].
Por outro lado, em abril de 2022, o Parlamento hondurenho revogou a criação das polêmicas Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico (ZEDE - sigla em espanhol), também conhecidas como Cidades Modelo, com o argumento de que elas violam a soberania do país [89]. O projeto consistia em criar essas cidades administrativamente independentes do resto de Honduras e com seu próprio sistema político, jurídico e econômico, a fim de atrair investimentos e gerar desenvolvimento industrial e financeiro de acordo com um modelo de livre mercado. O projeto gerou muita controvérsia na sociedade hondurenha. Uma das críticas foi que sua criação levaria à expulsão e expropriação da terra de milhares de camponeses(as), indígenas e garífunas.
Aquisições de terras
Grandes aquisições de terras em Honduras estão associadas a palavras como violência, migração e o Vale de Aguán. Alega-se que menos de 5% dos(as) proprietários(as) de terras em Honduras controlam 60% das terras férteis [90]. Mas há uma área que tem sido particularmente procurada: o Vale de Aguán, localizado nos departamentos de Colón e Yoro, na costa atlântica do país. Nos anos 50, o Vale de Aguán era o local das plantações de banana da United Fruit Company e, mais tarde, durante a reforma agrária, suas terras foram redistribuídas entre as cooperativas de agricultores(as). Nos anos 90, políticas tolerantes a aquisições em larga escala facilitaram a reconcentração de terras no vale para o cultivo de palma de azeite.
Estudos indicam que cooperativas e pequenos(as) agricultores(as) no vale foram coagidos(as), intimidados(as) e manipulados(as) para vender suas terras [91]. Este processo não foi livre de conflitos e violência. Entre 2009 e 2012, estima-se que 56 pessoas foram mortas em conflitos relacionados às plantações de palma e à terra [92]. Desde então, a violência não parou. Em julho de 2021, Juan Moncada, um líder de uma cooperativa hondurenha, foi morto pelo mesmo motivo [93].
A empresa hondurenha Grupo Diant, de propriedade do falecido Miguel Facusse, é acusada de estar associada a mais de 100 assassinatos de camponeses(as) e a uma campanha de terror para tomar o controle das terras do vale. O que organizações como a Friends of Earth (Amigos/as da terra) também denunciam é a impunidade com que a justiça hondurenha responde a estes abusos associados ao Grupo Diant, que por sua vez recebe financiamento da Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial e do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo da ONU [94].
Outro desafio desencadeado pelas concentrações de terras no Vale de Aguán e pela violência associada a ele é o êxodo de pessoas migrantes para os Estados Unidos. Por exemplo, a cooperativa à qual pertencia Juan Moncada passou de ter 248 famílias para ter metade delas devido à migração [95].
Direitos da mulher à terra
A Constituição não possui linguagem inclusiva de gênero com relação a direitos de propriedade ou de terra. No contexto do casamento, é reconhecida a igualdade jurídica dos cônjuges. Uma disposição específica para a proteção da mulher nas fazendas está contida no Artigo 128, e com respeito aos direitos da mulher de descansar antes e depois do parto. Na Lei de Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola, a única referência de gênero é que são exigidos os mesmos requerimentos de homens e mulheres para que sejam concedidas terras de reforma agrária (Art. 79). A Lei de Igualdade de Oportunidades para Mulheres de 2000 estabelece direitos iguais na posse da terra, crédito e moradia [96]. De acordo com seu artigo 74, as mulheres camponesas devem usufruir dos benefícios da Lei de Reforma Agrária em termos de igualdade com os homens.
Em 2022, a Articulación de Mujeres de la Vía Campesina Honduras (Articulação de Mulheres da Via Camponesa Honduras) e o Consejo para el Desarrollo Integral de la Mujer (Conselho para o Desenvolvimento Integral da Mulher Camponesa) informaram que dos dois milhões de mulheres que vivem em áreas rurais, apenas 14% possuem títulos de propriedade [97]. As mulheres denunciaram que não têm acesso a terras, crédito ou assistência técnica. Esta situação se reflete em estatísticas que mostram que 70% das mulheres rurais vivem em condições de pobreza, e destas, mais de 50% vivem em extrema pobreza [98]. Dos 78.975 títulos de terra entregues pelo INA entre 2011 e 2020, 37% foram entregues a mulheres e o restante a homens [99]. Esta diferença é menor nos departamentos de Valle e Cortés (50,98% para homens e 49% para mulheres, e 55% para homens e 44% para mulheres, respectivamente) [100]. Entretanto, esta vantagem desaparece se a extensão das áreas tituladas for medida: em Valle 72% das áreas tituladas foram para homens e 27% para mulheres, e em Cortés a diferença foi de 44% a 19% respectivamente [101]. Os departamentos com maior desigualdade foram Lempira, Ocotepeque e Comayagua.
Uma maneira de aumentar a titulação de terras de mulheres é através da titulação conjunta promovida pela Lei de Igualdade de Oportunidades para Mulheres, tornando obrigatória a titulação de terras e outros bens adquiridos em sindicatos de fato em nome do casal, independentemente do estado civil (Art. 73). Entretanto, esta possibilidade nem sempre é concretizada devido à falta de conhecimento jurídico de mulheres, à predominância de uma cultura machista nas áreas rurais, ou à falta de vontade política por parte dos(as) funcionários(as) do governo para entregar títulos conjuntos de terra [102].
Outras barreiras ao acesso das mulheres à terra são a falta de coordenação entre diferentes instituições, a estrutura patriarcal que organiza a sociedade hondurenha [103], e a falta de acesso ao crédito, que tem sido agravada pelo colapso financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola (BANADESA - sigla em espanhol), cuja insolvência, de acordo com algumas reportagens da mídia, poderia estar ligada à corrupção [104].
O Instituto Nacional da Mulher é a organização governamental encarregada de promover a plena incorporação da mulher no desenvolvimento sustentável do país. As iniciativas de apoio às mulheres, como Ciudad Mujer, não incluem questões de acesso à terra para mulheres rurais. A Política de Equidade de Gênero na Agricultura Hondurenha (1999-2015) visava reduzir a brecha de gênero na agricultura, mas estudos indicam que sua implementação foi mínima devido a uma falta de vontade política [105]. Em 2015 foi aprovada a Lei do Programa Nacional de Crédito Solidário para Mulheres Rurais, dando origem ao programa Credimujer, um programa nacional de crédito solidário para mulheres rurais, mas, de acordo com alguns estudos, é uma promessa não cumprida por parte do governo e, em outros casos, nem todas as mulheres rurais estão cientes de dita promessa [106].
Um problema adicional é a criminalização da luta pela terra e a violência contra as mulheres defensoras da mesma. De acordo com um estudo, entre 2016 e 2019, 48% das agressões sofridas por mulheres em Honduras foram contra mulheres defensoras de terras e territórios, superando outros países da região [107].De 2016 a 2021, estes ataques custaram a vida de 8 mulheres [108].
Para saber mais
Sugestões da autora para leituras adicionais
A desapropriação de terras e moradias está entre as causas do deslocamento forçado da população em Honduras. Especialistas indicam que a ausência de mecanismos de registro, proteção e restituição de terra e moradia poderia causar novos e profundos conflitos entre os(as) titulares(as) originais dos direitos e aqueles(as) que exercem a posse da propriedade. Em 2017, o ACNUR publicou o Relatório sobre Terra, Moradia e Deslocamento Forçado em Honduras com o objetivo de aprofundar a despossessão como causa de deslocamento, esclarecendo as lacunas do sistema legal e institucional que limitam a proteção dos direitos, e identificando alternativas para fortalecer os sistemas cadastrais e de registro. Em Honduras, a migração para as cidades devido às condições precárias no campo tem sido significativa, mas uma vez nas cidades, a situação nem sempre é mais fácil. Prindex publicou em 2019 o relatório Percepções globais da segurança da posse da terra urbana onde é possível comparar a percepção da segurança da posse da terra urbana em Honduras com a de outros 32 países da América Latina, Europa, África e Ásia. As perguntas que este estudo procura responder são como a segurança de fato da posse está ligada à situação legal nas áreas urbanas, quem é afetado(a) pela percepção de insegurança da posse em áreas urbanas, e se os dados coletados através de pesquisas revelam alguma implicação para o desenho de políticas mais eficazes. Entre aqueles(as) que permanecem no campo, vários estudos destacam o papel da mulher na defesa da terra. O relatório High Stakes Struggles. Las mujeres en primera línea en la defensa de la tierra y el territorio (Mulheres na linha de frente na defesa da terra e do território), publicado pela organização We Effect em 2020, descreve a relação entre a distribuição desigual da terra, processos de empobrecimento, conflito e desigualdade social. O estudo focaliza as mulheres camponesas e indígenas ameaçadas pelos interesses de atores estatais e privados em Honduras, Guatemala e Colômbia.
Linha do tempo - marcos na governança da terra
1900s - A United Fruit Company chega a Honduras
A United Fruit Company chegou em Honduras primeiro para a exportação de bananas e depois para a produção de bananas. Durante este período, os governos hondurenhos fizeram 71 concessões a empresas estrangeiras, para além da United Fruit Company, assim como a Tela Railroad Company que operava com a empresa transnacional Chiquita Brands International dedicada à produção e distribuição de bananas. Estas empresas tiveram uma grande influência na situação econômica e política do país.
Anos 1960-1970 - Reforma Agrária
A Lei de Reforma Agrária de 1962 buscou a erradicação dos latifúndios e minifúndios. Para este fim, foi criado o Instituto Nacional Agrário para distribuir terras. O Decreto Lei 70 de 1974 estabeleceu limites diferentes para o tamanho máximo de latifúndios rurais, de acordo com as diferentes áreas do país. Durante os anos 70, foram distribuídos mais de 400.000 hectares, beneficiando 60.000 famílias camponesas (representando 12,3% da população rural) [109]. Em geral, a reforma agrária foi mais intensa no norte do país, onde o movimento camponês também emergiu em 2000 [110].
1969 - Conflito com El Salvador
Conhecida como a Guerra do Futebol ou Guerra das Cem Horas, as tensões entre Honduras e El Salvador foram desencadeadas pela expropriação do governo hondurenho das terras dos muitos imigrantes salvadorenhos(as) (cerca de 300.000) que migraram para Honduras devido à falta de acesso à terra em seu país e ao trabalho nos campos de banana hondurenhos desde 1911.
2004 - Reforma do sistema de propriedade
A Lei de Propriedade introduz reformas cadastrais e de registro reduzindo custos e tempo entre as transações. O Instituto de Propriedade também é criado.
2019 - Forças Armadas envolvidas na administração agrícola
Através de um Decreto Executivo, o governo habilita as Forças Armadas a administrar o Programa de Desenvolvimento Agrícola de Honduras. Esta medida suscitou críticas de muitos setores. Em 2022, o decreto foi declarado inconstitucional pela Câmara Constitucional.
2020 - Proposta de lei por organizações camponesas
Organizações camponesas propõem uma solução para superar a crise agrária, alimentar e ambiental em Honduras através da proposta da Lei de Emergência para a Reativação do Setor Agrícola, Pecuário e Florestal para o Combate à Pobreza.