Os povos indígenas e as comunidades locais (PIs e CLs) administram coletivamente 50% das terras do mundo e detêm 80% da biodiversidade mundial e 22% do carbono total das florestas do planeta. No entanto, surpreendentemente, apenas 10% de suas terras são legalmente reconhecidas e protegidas.
Um número cada vez maior de pesquisas mostra os inúmeros benefícios climáticos das terras administradas por PIs e CLs, incluindo taxas de desmatamento mais baixas e biodiversidade, água e outros recursos naturais mais bem preservados. Apesar dessas vantagens comprovadas, os PIs e as CLs enfrentam desafios persistentes em suas reivindicações de terra. A apropriação de terras, as invasões e a degradação ambiental não apenas colocam em risco seus territórios e seu patrimônio cultural, mas também contribuem para a destruição das próprias florestas e da biodiversidade que essas comunidades historicamente nutriram.
Felizmente, mais governos e formuladores de políticas estão acordando para a evidência de que garantir os direitos à terra dos PIs e CLs é uma estratégia de primeira linha na luta global contra a crise climática. Na COP26, governos e demais doadores internacionais fizeram promessas sem precedentes, totalizando US$ 1,7 bilhão, para tratar da posse de terras indígenas. No entanto, o fluxo real de recursos tem sido lento, com apenas 7% do financiamento chegando diretamente às comunidades afetadas e aos grupos indígenas em dezembro de 2022.
Embora os recursos financeiros sejam fundamentais, o caminho para a titulação legal é complexo e varia em cada país. Mesmo nos casos em que as leis favorecem os direitos indígenas, a falta de vontade política, a desconfiança em relação ao governo e a insuficiência de recursos humanos, jurídicos e técnicos prejudicam os esforços da comunidade para realizar o trabalho.
Uma solução poderosa que está ganhando força entre os(as) líderes indígenas e comunitários locais é o uso de tecnologias de mapeamento digital do Sistema de Informações Geográficas (GIS - sigla em inglês). Essas ferramentas ajudam as comunidades a reunir os dados digitais necessários para reivindicações legais de terras e, ao mesmo tempo, permitem o mapeamento e o monitoramento em tempo real de ativos essenciais, como biodiversidade, cobertura florestal, recursos naturais e assentamentos humanos. Além disso, essas tecnologias permitem que as comunidades monitorem e rastreiem as possíveis ameaças às suas terras - como mineração, exploração madeireira, incêndios florestais, tráfico de drogas e invasões - permitindo que elas protejam seus territórios de forma mais rápida e eficaz.
Há muito que aprender com o trabalho realizado na última década por organizações e comunidades indígenas que utilizam tecnologias geoespaciais e digitais como ferramentas na luta pelo direito à terra e pela proteção de seus territórios. Veja o caso da Geoindigena, um grupo dinâmico do Panamá fundado por jovens líderes indígenas e tecnólogos dedicados a enfrentar os desafios técnicos de garantir títulos legais de terra. Eles têm uma visão clara: criar uma geodatabase e capacitar suas comunidades com informações orientadas por dados para uma melhor tomada de decisões sobre questões vitais como uso da terra, mercados de carbono, governança e mudanças climáticas. O cofundador compartilhou: "Nossos ancestrais e avós não tinham a mesma educação que nós, mas tinham uma visão territorial. Queremos usar nossas habilidades e tecnologia para levar essa visão adiante." Mesmo com ferramentas e capacidades técnicas aprimoradas, muitas comunidades indígenas enfrentam desafios para navegar pelos sistemas de administração de terras e órgãos governamentais, garantindo a privacidade e a propriedade dos dados. Para enfrentar esses desafios, a Fundação Cadasta apoia diretamente as comunidades indígenas e tradicionais com tecnologias de mapeamento GIS, treinamento e serviços como parte de uma iniciativa apoiada pelo financiamento da ajuda do governo britânico Land For Climate and Forest Rights. Nossa abordagem vai além do mapeamento; ela aprimora a capacidade das organizações de PI e CL de aproveitar seus dados para a titulação legal, a tomada de decisões e a ação climática. Isso inclui fortalecer sua capacidade de navegar em sistemas governamentais complexos e, ao mesmo tempo, promover iniciativas relacionadas ao sequestro de carbono e aos serviços de ecossistema. Ao implementar subsídios, treinamento e serviços de suporte direto aos nossos parceiros de PI e CL, reconhecemos que eles são o melhor recurso para proteger as terras comunitárias.
Uma parceria entre a Cool Earth e a Cadasta, o projeto dos Laboratórios de Florestas Tropicais exemplifica como o conhecimento indígena, a tecnologia e o treinamento podem convergir para proteger os territórios amazônicos de forma eficaz. Apesar de terem reivindicações de terras legalmente reconhecidas, essas comunidades enfrentam desigualdades e desafios significativos na proteção de suas florestas. Essa iniciativa equipa as comunidades Awajún e Asháninka no Peru com dados em tempo real, informações de satélite e monitoramento da biodiversidade, capacitando-as a combater ameaças como incêndios florestais, tráfico de drogas e extração ilegal de madeira. Desde o início do trabalho em 2022, o projeto treinou mapeadores(as) indígenas que geraram dados vitais para 1.000 membros da comunidade que preservam 11.000 hectares de floresta tropical e 5 milhões de toneladas de carbono. Esses dados permitiram que essas comunidades respondessem a cinco grandes alertas de perda florestal e documentassem 203 espécies na lista vermelha da IUCN.
O Geoindigena e o projeto dos Laboratórios de Florestas Tropicais exemplificam o potencial transformador do conhecimento e da tecnologia indígenas na proteção de florestas e recursos naturais. Esses exemplos devem despertar um reconhecimento mais amplo do valor da sabedoria comunitária e indígena. Chegou a hora de um esforço coletivo para atender às solicitações das e dos indígenas e das comunidades por suporte técnico prático que fará a diferença na garantia de seus direitos legais e na proteção da terra e dos recursos naturais que administram há gerações. Embora a tecnologia seja apenas uma ferramenta na luta por direitos equitativos à terra e aos recursos e pela proteção do nosso clima, os povos indígenas e os(as) líderes comunitários(as) locais precisam de apoio contínuo à medida que aproveitam seu poder para concretizar suas próprias visões de um futuro sustentável. Amy Coughenour Betancourt.
Amy Coughenour Betancourt é presidenta e CEO da Cadasta Foundation. Com mais de 30 anos de experiência, Amy é uma líder executiva orientada para resultados e voltada para a missão, com um histórico comprovado de crescimento significativo de organizações. Em sua função, ela escreveu e fez apresentações sobre questões de direitos de terra e propriedade, com foco especial nos direitos da comunidade e das mulheres e no uso da tecnologia geoespacial para promover os ODSs. Amy veio para a Cadasta da Associação Nacional de Empresas Cooperativas, CLUSA International (NCBA CLUSA), onde atuou como Diretora de Operações de Programas Internacionais de 2011 a 2018. Nessa função, ela supervisionou uma equipe de mais de 800 funcionários e funcionárias e quase triplicou o portfólio em 20 países da África, América Latina e Ásia, trabalhando em resiliência, segurança alimentar e desenvolvimento rural. Antes de trabalhar na NCBA CLUSA, Amy trabalhou como Diretora Executiva Adjunta da Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento; Diretora Adjunta do Programa das Américas no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais; Diretora em Washington do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Ocupacional; e como Vice-Presidenta para a América do Norte da Associação Internacional de Educação e Treinamento Vocacional (IVETA - sigla em inglês). Atualmente, ela faz parte da diretoria da Interaction, a principal aliança de ONGs internacionais que trabalham com assistência humanitária e desenvolvimento.
Sobre a Fundação Cadasta
Fundada em 2015, a Cadasta é uma premiada plataforma global de tecnologia e serviços sem fins lucrativos que permite que comunidades em situação de vulnerabilidade documentem, mapeiem e garantam, de forma acessível e fácil, direitos inclusivos sobre terras e recursos para um planeta mais sustentável e equitativo. Ao criar um registro digital acessível de direitos sobre a terra, a propriedade e os recursos, e ao desenvolver a capacidade local, a Cadasta ajuda a capacitar indivíduos, comunidades, organizações, governos e empresas com as informações necessárias para tomar decisões baseadas em dados e colocar as comunidades vulneráveis e suas necessidades no mapa. Saiba mais sobre o trabalho da Cadasta.
Este artigo foi publicado originalmente no Geospatial World.