Autor:Elsa Garrido
Caldas da Rainha, 11 de abril de 2017.
CARTA ABERTA
EXMOS SENHORES
- Ministro da Agricultura de São Tomé e Príncipe;
- Ministro das Infraestruturas, Recursos Naturais e Ambiente de São Tomé e Príncipe;
C/C: Sua Excelência o Presidente da República Democrática de São Tomé e Príncipe;
- Sua Excelência o Presidente da Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe;
- Sua Excelência o Primeiro-Ministro e Chefe do Governo de São Tomé e Príncipe;
EXCELÊNCIAS,
Eu vos escrevo enquanto cidadã são-tomense atenta às questões socioeconómicas, ambientais e políticas do nosso belo País. Escrevo esta Carta Aberta com grande preocupação no futuro da nossa agricultura, do nosso meio ambiente e da nação são-tomense em geral.
A luta pelo desenvolvimento não deve e nem pode servir para que uma nação se transforme em cobaia. Tal, ao se permitir que assim seja, torna-se assustador para qualquer ser humano normalmente constituído.
Refiro-me em concreto à notícia recentemente publicada no sítio da RDP África, no dia 10 de Abril de 2017 pelas 10 horas e 7 minutos, segundo a qual “São Tomé e Príncipe vai cultivar milho transgénico para ração animal”. A informação dá conta da presença em São Tomé de uma equipa de técnicos agrícolas chineses, cuja missão é “introduzir o cultivo” daquela espécie de milho modificado destinado à alimentação de animais de consumo humano. E diz ainda que “o objetivo desta operação é a diminuição da dependência alimentar do País em relação ao exterior”, estando já em curso a sua cultura, nesta primeira fase, no campo agrícola de Mesquita, no centro da ilha de São Tomé. Já se anuncia inclusive que “em junho, os chineses esperam colher oito toneladas de milho híbrido numa área de seis hectares”.
Confesso, EXCELÊNCIAS, que li a notícia com muita atenção e que a mesma me causou tristeza e imediata inquietação. Tristeza por pensar, a este propósito, que os nossos dirigentes parecem não estar preocupados com as possíveis consequências do cultivo de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) nas nossas ilhas. E é inquietante porque o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe não deve e nem pode ser conduzido e implementado em detrimento do meio ambiente e, por conseguinte, da saúde pública.
A via para eliminar a fome mundial, aumentar a produtividade pecuária e agrícola não passa pela introdução do OGM no mundo e muito menos em São-Tomé e Príncipe. Devemos pensar e implementar métodos sustentáveis e de proteção do meio ambiente em benefício da nossa população, sob pena de aumentar a nossa dependência e contribuir para a destruição completa e, possivelmente, irreversível da nossa maior riqueza: a terra fértil, a agricultura diversificada e o bem-estar de todos.
Quais são, de facto, as reais intenções da China? Apesar da pequenez da nossa dimensão territorial, não será mais uma via para acumular lucros na sua senda de expansão em África, com consequências ambientais graves? Como é sabido, os países subdesenvolvidos da Ásia, América Latina e África são vistos como um mercado interessante e potencialmente lucrativo.
Por constituir uma prática a combater, reproduzo aqui o extrato da Carta Aberta de cientistas, grupos anti-OGM e industriais da alimentação americanos contra os OGM:
“… Perigos ambientais: Os estudos demostram que o cultivo e consumo do OGM ou sementes RRC [variedade de sementes apropriadas para os pequenos agricultores] é altamente destrutivo do ambiente. Por exemplo, o Roundup mata as ervas que são o principal alimento das icónicas borboletas Monarca e representa uma séria ameaça para outros incestos importantes como as abelhas. Também é prejudicial ao solo, matando organismos benéficos que o mantém limpo, saudável e produtivo, impedindo as plantas de absorver micronutrientes essenciais. Outros tipos de plantas OGM têm sido produzidas para gerar o seu próprio inseticida (ex. plantas do algodão BT), mas isso também se tornou mortal para insetos benéficos como libelinhas, moscas aquáticas Daphna Magna, outros insetos aquáticos e certos escaravelhos. Também cresce a resistência destas plantas aos inseticidas bem como as novas variedades de superinsectos que requerem ainda mais aplicação de inseticida em diferentes fases do ciclo de crescimento (…).
Ameaças à saúde humana: Os ingredientes OGM estão por todo o lado na alimentação humana. Estima-se que 70% da comida processada que se consome nos EUA seja produzida com ingredientes OGM. Mas se incluirmos a alimentação animal, a percentagem é bastante mais alta. As pesquisas mostram que as RRC contêm muitas vezes mais glyphosato e o seu subproduto tóxico, o AMPA, mais do que as sementes normais. Foram encontrados traços de glyphosato no leite materno e na urina das mães americanas, tal como na água potável. Os níveis existentes no leite materno são incrivelmente altos – cerca de 1600 vezes mais do que o permitido na água potável na Europa (…). Do mesmo modo foram encontrados traços da toxina BT no sangue das mães e bebés.
Trata-se de um risco inaceitável para a saúde infantil pois o glyphosato atua como disruptor das hormonas. Estudos recentes sugerem que este herbicida também é tóxico para os espermatozoides. Os alimentos OGM não foram nunca testados antes de serem lançados na cadeia alimentar e o impacto na saúde devido à circulação dessas substâncias e sua acumulação no nosso corpo não está a ser estudada por nenhum governo, agência ou sequer pelas companhias que as produzem. Estudos de animais alimentados com OGM e ou glyphosato evidenciam consequências terríveis como danos em órgãos vitais como fígado e rins, danos nos tecidos e flora, no sistema imunitário, anormalidades nos fetos e até tumores. Estes estudos apontam para problemas de saúde potencialmente graves.”
Por isso, EXCELÊNCIAS, “compreendam que a manipulação genética dos alimentos nada tem a ver com o bem público ou com dar de comer aos esfomeados nem com o apoio aos nossos agricultores. Nem sequer tem a ver com as escolhas dos consumidores. Em vez disso, tem tudo a ver com o controle por parte das corporações privadas sobre o sistema alimentar.
Esse controle é extensivo a áreas que afetam diretamente o nosso bem-estar diário, incluindo segurança alimentar, ciência e democracia. Ameaça o desenvolvimento de uma agricultura genuinamente sustentável e amiga do ambiente e impede a criação de um fornecimento alimentar transparente e saudável….” – “Ecologist”, 12/Nov/2014 (Resurgenc & Ecologist). Vários outros manifestos e movimentos em várias partes do mundo contrariam os benefícios dos OGM, a exemplo do Brasil, onde foram denunciados os efeitos negativos e as consequências nefastas de variedades geneticamente modificadas para fins comerciais. “Mais transgênico significa mais agrotóxico”, dizem as organizações ambientalistas brasileiras que tudo fizeram para a introdução de alterações e aprovação de legislação contra os OGM, uma vez que sempre defenderam que “o alimento saudável é essencial para que todos possam ter condições saudáveis de vida.”
NESTE CONTEXTO, em defesa dos reais interesses do povo são-tomense, clamo aqui e em voz alta a minha rejeição completa à introdução do OGM em São Tomé e Príncipe. Por serem os mais altos mandatários dos destinos do nosso País, peço a VOSSAS EXCELÊNCIAS para refletirem sobre o alcance do projeto da China e exorto-vos a tomarem medidas imediatas para conter o avanço do cultivo do milho geneticamente modificado nas nossas ilhas.
Por considerar que esta deve ser uma causa de todos nós, acredito seguramente que, à minha voz de forte rejeição, se juntarão mais vozes – incluindo a das associações nacionais não-governamentais defensoras do ambiente –, a condenarem esta tentativa da China no nosso solo agrário.
Porque não é verdade que a introdução do milho transgénico no nosso território irá combater a fome ou diminuir a dependência do País em relação ao exterior.
Assinada,
Elsa Garrido