A transição global para a energia renovável depende de minerais essenciais, como lítio, cobalto e níquel, mas sua extração gera desafios significativos para os direitos à terra, a sustentabilidade ambiental e o compartilhamento equitativo de benefícios. Neste webinário, especialistas da Zâmbia, Uganda, Indonésia e do campo da governança global exploraram o que é necessário para alinhar a extração mineral aos princípios de justiça e equidade.
A discussão iniciou com as reflexões de Mark Robinson, Diretor Executivo da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (EITI - sigla em inglês), que ressaltou a urgência global de abordar os direitos humanos e a governança na mineração. O painel do Secretário Geral das Nações Unidas sobre minerais críticos para a transição energética enfatizou a necessidade de centralizar a equidade nas cadeias de suprimento de minerais, garantindo que elas funcionem tanto para as pessoas quanto para o planeta. Mark descreveu como os diálogos com várias partes interessadas - onde governos, empresas e comunidades se encontram - são fundamentais para navegar pelos interesses conflitantes da governança de recursos e do bem-estar da comunidade. Ele destacou o papel da transparência, não apenas na abertura de dados, mas em torná-los acessíveis para que as comunidades influenciem as decisões que afetam profundamente suas vidas.
"O painel se concentrou na função dos minerais essenciais para a transição energética na mudança global para uma energia mais limpa, com grande ênfase na equidade e na justiça na governança das cadeias de suprimento de minerais. Ao contrário de muitas políticas existentes, que se concentraram nas necessidades dos países consumidores, as conclusões do painel destacaram a importância de priorizar os países produtores. Os princípios fundamentais incluíam direitos humanos, proteção ambiental e transparência, além de boa governança e esforços anticorrupção. O relatório também enfatizou a necessidade de uma tomada de decisão inclusiva, com as partes interessadas tendo acesso a informações e oportunidades para moldar o futuro do setor, garantindo que os benefícios sejam compartilhados de forma equitativa." - Mark Robinson
A conversa se voltou para a Zâmbia, onde Freeman Mubanga, chefe de pesquisa e estudos do Centro de Justiça Ambiental, expôs as tensões entre as ambições econômicas e os direitos à terra. A Zâmbia, dotada de minerais essenciais, tem visto um aumento nos investimentos em mineração, muitas vezes acelerados por meio de processos de aprovação mais flexíveis. Freeman detalhou como isso deslocou comunidades, contornou sistemas de governança costumeiros e resultou em graves danos ambientais. A desconexão entre a política e a prática é evidente: embora existam estruturas legais para proteger as comunidades, sua implementação continua sendo inadequada. Freeman solicitou auditorias nacionais de terras e uma melhor colaboração entre os líderes tradicionais e os ministérios do governo para preencher essa lacuna. Ele descreveu os esforços de advocacia para responsabilizar as empresas de mineração pela adesão aos padrões ambientais e de direitos humanos, enfatizando a necessidade fundamental de conscientização das bases para empoderar as comunidades afetadas.
"Na Zâmbia, a busca por minerais como o manganês está atraindo investimentos, mas também expondo sérios problemas de governança fundiária. Uma desconexão entre política e implementação, especialmente na aquisição de terras, está deslocando comunidades e prejudicando o meio ambiente. Com metas ambiciosas de produção para 2030, a Zâmbia precisa melhorar a governança fundiária para garantir investimentos justos e equitativos que protejam as comunidades e o meio ambiente." - Freeman Mubanga
De Uganda, Naomi Nangoku, uma autoridade sênior do Ministério de Energia e Desenvolvimento Mineral, compartilhou a abordagem cautelosa, porém proativa, do país. Ao contrário de outras nações que já estão lutando contra a mineração extensiva, Uganda está em um estágio inicial de exploração de sua riqueza mineral. Isso permitiu que o governo se concentrasse em estruturas robustas, como a inclusão de Acordos de Desenvolvimento Comunitário (CDAs - sigla em inglês), que agora são uma exigência legal. Naomi explicou que os CDAs visam garantir que as comunidades anfitriãs se beneficiem diretamente, não apenas por meio de direitos de exploração, mas também por meio de investimentos sociais, como educação, saúde e infraestrutura. Embora esse modelo seja promissor, Naomi reconheceu os desafios atuais, incluindo a complexidade dos sistemas de posse de terra e a necessidade de dados mais abrangentes para resolver disputas e garantir uma compensação justa.
"Uma questão importante é a necessidade de transparência, especialmente com relação às leis e ao fluxo de informações entre governos e empresas de mineração. Isso é fundamental à medida que avançamos. Em Uganda, estamos em uma posição relativamente boa porque muitos de nossos minerais ainda não foram totalmente explorados e nossas políticas ainda estão evoluindo. Entretanto, Uganda também tem sua própria definição do que constitui “minerais críticos”, especialmente aqueles relacionados à agricultura e à segurança alimentar. Um dos desafios que enfrentamos é a propriedade da terra, pois grande parte da terra aqui é de propriedade da comunidade, o que dificulta determinar quem é o proprietário, especialmente em áreas ricas em minerais. A maioria dessas terras é de propriedade costumeira, o que complica ainda mais as coisas. Para resolver isso, precisamos de informações e sistemas mais claros para resolver questões de propriedade de terras, especialmente em áreas onde as empresas de mineração operam." - Naomi Nangoku
Na Indonésia, a história se desenrolou sob as lentes da mineração de níquel, um setor em expansão que é fundamental para a transição energética. Andi Rahman, da WALHI Sutra, ilustrou as lutas agudas dos povos indígenas e das mulheres nesse contexto. As concessões de mineração geralmente se sobrepõem às terras tradicionais, deslocando as comunidades e interrompendo os meios de subsistência tradicionais. As mulheres, em especial, sofrem o impacto, perdendo o acesso a terras agrícolas e sendo excluídas dos processos de tomada de decisão. A WALHI tem estado na vanguarda do apoio a esses grupos marginalizados por meio de defesa legal, mapeamento participativo e campanhas públicas que expõem práticas exploratórias. Andi enfatizou a importância da reforma da política para proteger os direitos consuetudinários à terra e impor uma supervisão ambiental mais rigorosa, especialmente no momento em que a Indonésia se posiciona como um dos principais participantes da cadeia global de fornecimento de minerais.
"Na Indonésia, a expansão da mineração, particularmente impulsionada pela transição energética, está causando violações significativas de acesso, especialmente em áreas rurais, terras agrícolas e territórios indígenas. O governo flexibilizou as regulamentações, permitindo que as empresas de mineração ocupem grandes áreas de terra, o que afetou as comunidades indígenas, incluindo grupos de mulheres. As mudanças nas leis de mineração estão abrindo mais oportunidades para projetos de transição de energia, como a mineração de níquel, mas essas políticas estão levando à apropriação de terras e à marginalização dos direitos indígenas à terra. Isso interrompeu as práticas locais de gestão fundiária, afetando desproporcionalmente as mulheres, que muitas vezes são criminalizadas pelas empresas de mineração enquanto lutam por seus meios de subsistência. Esses problemas estão criando sérios desafios para as comunidades, especialmente nas áreas rurais." - Andi Rahman
A conversa voltou à importância dos sistemas de dados e informações sobre a terra. Freeman e Naomi enfatizaram que melhores dados sobre a terra são vitais não apenas para a governança, mas também para o empoderamento da comunidade. Sem dados precisos e acessíveis sobre a propriedade da terra e as concessões de mineração, as comunidades permanecem vulneráveis à exploração. Mark acrescentou que ferramentas como cadastros de mineração e divulgações de propriedade benéfica poderiam reduzir a corrupção e melhorar a responsabilidade. No entanto, Freeman observou que grande parte dos dados fundiários da Zâmbia está desatualizada, o que complica os esforços para proteger as terras tradicionais contra investimentos especulativos e mineração ilegal.
A sessão foi concluída com um chamado à ação: à medida que a demanda por minerais essenciais cresce, também cresce o compromisso com a equidade e a justiça. As comunidades devem ser empoderadas com informações, engajadas em um diálogo significativo e protegidas por estruturas legais que priorizem seus direitos. As e os palestrantes não deixaram dúvidas de que uma transição energética justa exige mais do que soluções técnicas - exige a reimaginação da governança de recursos para colocar as pessoas e o planeta no centro.