Proposta de Reforma da Previdência do governo Michel Temer prejudica as trabalhadoras rurais e é grande obstáculo para a Sucessão Rural
As mulheres rurais serão as mais prejudicadas caso seja aprovada a atual proposta da reforma da Previdência (PEC 287/2016) apresentada no início de dezembro de 2016 pelo governo federal. Elas terão de trabalhar por mais dez anos para receber um salário mínimo, sem que o poder público tenha qualquer consideração pelas efetivas condições de trabalho e de vida enfrentadas no campo, floresta e águas do Brasil. A proposta do Governo de Michel Temer iguala a idade para aposentadoria aos 65 anos entre homens e mulheres, rurais e urbanos, não considerando, por exemplo, o fato de que as mulheres rurais têm uma expectativa de vida menor do que a dos demais cidadãos(ãs) brasileiros(as). De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social publicado em 2013, a mulher rural vive, em média, até os 72 anos de idade. O homem rural vive até os 77 anos, e, na cidade, homens e mulheres vivem, em média, até os 78 anos.
Essa diferença tão grande na expectativa de vida se dá por diversas razões. As mulheres rurais têm jornada tripla de trabalho: cuidam da produção e também dos trabalhos domésticos, além de se ocuparem com o cuidado na manutenção da vida e da saúde de suas famílias. Elas trabalham tanto dentro quanto fora de casa, tendo grande contribuição para a renda familiar. Os dados do Anuário apontam que 70,2% das mulheres do campo começam a trabalhar com até 14 anos de idade. Isso significa que, pelas regras atuais, a maioria das trabalhadoras rurais trabalha, em média, durante 41 anos até que possam receber a aposentadoria. Se a nova regra for aprovada, terão de trabalhar por mais de meio século para receber um salário mínimo.
Na área rural, o trabalho produtivo das mulheres muitas vezes é subestimado ou ignorado, na medida em que se alterna e se confunde com os afazeres e cuidados com a casa e com os filhos. Embora o trabalho feminino, tão engajado nas tarefas produtivas quanto o masculino, seja um aspecto igualmente importante de geração de renda do domicílio rural, a dinâmica de trabalho na agricultura familiar, marcada por uma desigual divisão de poder entre homens e mulheres e pela inexistência de relação de assalariamento, tende a dificultar o reconhecimento das mulheres como “trabalhadoras rurais”. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE) de 2014, cerca de 80% das mulheres trabalhadoras ocupadas no meio rural exercem atividades não-remuneradas no âmbito da agricultura familiar, o que demonstra a dimensão dessa dificuldade.
Além disso, a PEC 287/2016 aponta a possibilidade de que seja exigida a contribuição mensal dos(as) agricultores(as) familiares, de maneira individual. Caso este item seja aprovado, existe grande possibilidade de que essa proposta acabe por excluir as mulheres da Previdência Social, pois, em consequência da cultura patriarcal que infelizmente ainda predomina em nossa sociedade, as famílias vão priorizar o pagamento das contribuições dos homens, ainda hoje considerados “chefes de família”, compreensão que desconsidera todo o trabalho das mulheres e sua contribuição econômica e social.
“Agora enfrentamos mais um ataque aos nossos direitos com a proposta de reforma da Previdência, mais uma ação que faz parte da concretização do golpe no Brasil, iniciada com a PEC 55/241, que congelou os investimentos públicos em educação, saúde e assistência social. Não aceitaremos mais esse retrocesso. Este será o nosso principal tema de enfrentamento no 8 de Março na resistência contra o desmonte da Previdência. As Margaridas estarão nas ruas dialogando com cada vereador(a), prefeito(a), deputado(a), dizendo que não aceitaremos nenhum direito a menos”, afirma a secretária de Mulheres da CONTAG, Alessandra Lunas.
IMPACTOS PARA A JUVENTUDE RURAL – Para a juventude rural, a reforma da Previdência também tem graves consequências: a primeira delas é que, caso aprovada tal como foi proposta, pode estimular os(as) jovens a saírem do campo, pois não verão perspectivas de, um dia, terem o direito de se aposentar quando não tiverem mais condições físicas para o trabalho rural.
A contribuição mensal individual também prejudicaria bastante os(as) jovens rurais. Como sabemos, milhares de famílias no campo não terão condições de pagar todos os meses as contribuições de todos os seus integrantes. De acordo com o último Censo Agropecuário, de 2006, 49,5% da população rural têm renda anual de R$ 255. Assim, se tiverem condições de pagar, muitas dessas famílias vão optar por pagar apenas as contribuições de uma pessoa e a preferência será daqueles que já estiverem mais perto da idade de se aposentar. Os(as) mais jovens serão prejudicados com essa configuração da lei, e precisarão de ainda mais tempo para começar a contribuir. Essa seria mais uma razão para que a juventude deixasse o meio rural, pois haveria menor perspectiva de um futuro digno.
De acordo com o Censo Agropecuário, o Brasil possui mais de oito milhões de jovens no campo. Mesmo se todos se mantivessem no meio rural, ainda assim a agricultura familiar de nosso País enfrentaria um grande impacto demográfico. A sucessão rural é fundamental para garantir a soberania e segurança alimentar do Brasil, uma vez que a agricultura familiar é responsável pela produção de mais de 70% dos alimentos que colocamos em nosso prato todos os dias.
Para a secretária de Jovens da CONTAG, Mazé Morais, as decisões que o atual governo federal tem tomado indicam sua falta de compromisso com as futuras gerações do Brasil, especialmente as do campo, floresta e águas. “Desde que esse governo assumiu, nenhuma das políticas públicas voltadas para a juventude rural progrediu. O Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural permanece engavetado e sem recursos. As ações de Assistência Técnica e Extensão Rural para os(as) jovens rurais também estão paradas, o que dificulta o acesso dos(as) jovens agricultores(as) familiares aos programas de crédito e fomento da produção.
Para ela, a aprovação da reforma da Previdência tal como proposta pelo governo tornará a sucessão rural ainda mais difícil. “A renda de mais de três milhões de famílias do campo, da floresta e das águas do Brasil é constituída, principalmente, pelo recebimento dos benefícios da Previdência Social. Sem esse suporte econômico de seus pais ou avós, os(as) jovens rurais se verão obrigados a migrar para as cidades e lidar com o subemprego e com as dificuldades do meio urbano. Sem jovens no meio rural, será ainda mais difícil que os gestores públicos invistam em educação no campo, em lazer, cultura e outras políticas básicas para os jovens que querem permanecer em seu lugar de origem. Sem jovens no campo, como as gerações mais velhas conseguirão manter suas produções, quando não tiverem mais forças? Os(as) jovens são o futuro do campo”, explica a dirigente.
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