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News & Events O casal que comprou um milhão de hectares no Chile e na Argentina e doou-o para a fundação de novos parques
O casal que comprou um milhão de hectares no Chile e na Argentina e doou-o para a fundação de novos parques
O casal que comprou um milhão de hectares no Chile e na Argentina e doou-o para a fundação de novos parques
Tomás Munita
Tomás Munita
Kris Tompkins, da Tompkins Conserva tion, faz uma pausa junto da lagoa de La Pepa no Parque Nacional da Patagónia, no Chile. A floresta em recuperação acolhe uma população, em crescimento lento, de huemules, um veado ameaçado dos Andes. “A paisagem sem animais selvagens é um mero cenário”, resume. 
 
A Tompkins Conservation é parceira da iniciativa “Last Wild Places/Os Últimos Lugares Selvagens” da National Geographic Society.
 
Texto David Quammen
Fotografias Tomás Munita
 
“Foi uma época desesperante. O Doug nunca a ultrapassou.” Sentada diante de uma mesa coberta de mapas coloridos do Chile e da Argentina, Kris McDivitt conta a polémica do início do século XX sobre um local chamado Pumalín, no Sul do Chile. Pumalín foi a primeira experiência disciplinadora que lhes mostrou – a ela e ao seu falecido marido, o empresário e aventureiro reformado Doug Tompkins – como seria difícil transformar dólares e boas intenções em áreas protegidas na América do Sul.
 
Tomás Munita
Mais além da mesa e dos mapas, abre-se uma extensão de prados ondulantes, riachos, florestas de faias e lagos azul-escuros: é o austero esplendor natural do Parque Nacional da Patagónia, no Chile, outro projecto de Tompkins.
 
O parque abrange mais de trezentos mil hectares, incluindo o vale Chacabuco, que se estende a partir dos Andes. Juntamente com Pumalín, situado a 500 quilómetros para norte, e com mais seis parques (criados ou ampliados graças à persistência dos Tompkins, em parceria com o governo chileno, e alavancados pelas terras doadas pelo casal), esta rede de espaços bravios totaliza 4,5 milhões de hectares. A dimensão e diversidade são imensas, ocupando a metade meridional do Chile, desde a floresta temperada valdiviana de Hornopirén às ilhas rochosas de Kawésqar. No entanto, para compreender a dimensão daquilo que Kris Tompkins e o marido fizeram, é melhor começar por Pumalín. Ela desdobra o mapa e conta-me a história.
 
Fonte: NatGeo
Desde o início da década de 1990, a fundação Tompkins Conservation (TC) adquiriu quase um milhão de  hectares de terrenos privados no Chile e na Argentina, doando-os aos respectivos países para ajudar a criar ou ampliar 14 parques nacionais. Nas zonas húmidas de Iberá, na Argentina, são actualmente desenvolvidos esforços no sentido de reintroduzir na natureza espécies extintas localmente há décadas.
 
Em 1991, Doug Tompkins comprou um rancho abandonado na Região dos Lagos do Chile, país que ele conhecia de visitas feitas na sua juventude, no início da década de 1960, quando era um esquiador e montanhista errante. Mais tarde, nessa mesma década, ele e a sua primeira mulher fundaram a The North Face, uma empresa de equipamento para actividades ao ar livre, venderam o negócio por relativamente pouco dinheiro e criaram a Esprit, uma marca de vestuário de grande sucesso.
 
No fim da década de 1990, então consideravelmente rico, divorciado e desiludido pelo consumismo voraz, Doug vendeu a sua participação na empresa e afastou-se do mundo empresarial, dedicando a vida aos desportos que o tinham levado para o Sul no início da vida: o montanhismo, o esqui e o caiaque. Começou também a pensar na conservação.
 
O seu plano de recuperação da flora autóctone do rancho transformou-se numa ideia maior. Ele criou e  investiu  numa  fundação privada, o Conservation Land Trust, e através dela fez aquisições para criar dois grandes blocos de terras maioritariamente selvagens: Pumalín Norte e Pumalín Sul. Entre eles, ficava outra parcela de terreno, denominada Huinay, na altura propriedade da Universidade Católica Pontifícia de Valparaíso, que estava disposta a vendê-la.
 
No entanto, poderosos interesses políticos, incluindo do presidente da altura, Eduardo Frei Ruiz-Tagle, opunham-se à venda. Foi então que Kris McDivitt entrou em cena. Tinha-se reformado recentemente do seu cargo de directora-geral de outra empresa de vestuário, a Patagonia, e trazia consigo fortuna e convicções próprias. A sua percepção era bastante compatível com a de Doug Tompkins. Casaram-se em 1994.

 

Fonte: NatGeo

 
Kris Tompkins é uma mulher baixa e determinada, com uma inteligência clínica. É capaz de recordar sem se emocionar. Huinay, sim, era a peça que teria unido Pumalín, diz. Tinha cerca de 340 quilómetros quadrados. Não era grande, comparada com Pumalín Norte ou Sul, mas separava a região continental do Chile num dos seus pontos mais estreitos, entre o golfo de Ancud e os cumes dos Andes. Os seus esforços para adquirir o terreno despertaram suspeitas, resistências e rancores. Alguns comentaram que, com todas estas aquisições e esforços de protecção, o casal preparava-se para pôr fim à produção em terras agrícolas. Desapareceriam postos de trabalho. Os Tomkins estavam a moldar um “feudo” no Chile.
 
Estas reacções prosseguiram ao longo da década de 1990 e nos primeiros anos deste século, à medida que o casal alargava o movimento de aquisição e protecção de terras a outras regiões do Chile. Quem seriam aqueles gringos açambarcadores e quais os seus planos nefastos? Pretendiam construir um aterro de resíduos nucleares? Bases militares para a Argentina? Roubar a água do Chile? Ou quereriam somente transformar grandes pedaços do Chile nos seus refúgios privados?
 
Na verdade, o seu objectivo em Pumalín era comprar terras, criar um parque e doá-lo ao país. No entanto, o Chile não tinha tradição de filantropia privada fora da igreja e de projectos educativos. Vinda de um casal de americanos, essa inimaginável generosidade parecia paternalista na melhor das hipóteses e sinistra na pior. Huinay era particularmente sensível porque, embora pequeno, liga uma fronteira à outra. Se a propriedade fosse adquirida por estrangeiros ricos, o país ficaria cortado a meio – argumentavam os críticos. “Fomos desprezados durante 4 ou 5 anos”, diz Kris Tompkins. “Achavam que éramos uma seita.”
 
Ao  longo  de 21  anos  de casamento, com as suas múltiplas propriedades e projectos dispersos pelo Chile e pela Argentina e o seu interesse pela natureza, os Tompkins passaram muito tempo a bordo de pequenos aviões privados. Ele acumulava 15 mil horas de voo. Ela assumia os controlos de vez em quando, mas, como não tinha licença de piloto, não podia descolar nem aterrar. “É quando sou mais feliz: a voar”, revela. Sempre acharam que iriam morrer juntos por causa daquelas idas e vindas conturbadas, no Cessna ou no Husky, por entre os picos e desfiladeiros dos Andes.
 
Fonte: NatGeo
 
Não aconteceu assim. Ele morreu de hipotermia no dia 8 de Dezembro de 2015, num hospital da capital regional, Coihaique, após imersão prolongada num lago chileno gelado, num dia desastrosamente infeliz em que os ventos se levantaram, as ondas cresceram e o leme do seu caiaque se avariou. A embarcação virou-se e o vento e a ondulação contrários impediram-no – e ao seu companheiro de caiaque, o famoso montanhista Rick Ridgeway – de chegar a terra. Rick foi salvo uma hora depois e sobreviveu. Doug Tompkins não.
 
Kris Tompkins recebeu a notícia pelo telefone e conduziu durante seis horas até ao hospital onde foi declarado o óbito do seu marido. “O facto de ele ter partido tão depressa condiz com a essência do nosso casamento”, diz. “A dor é apenas um prolongamento da relação que tínhamos.” Vidas intensas partilhadas, dor intensa. Assim seja.
 
Durante os anos que passaram juntos, a alcunha aeronáutica de Kris para comunicarem através da rádio era Picaflor, beija-flor em espanhol. A de Doug Tompkins era Aguila, que significa “águia”. Entre os dois, de forma mais íntima, estes nomes davam lugar a “Lolo” para ele e “Birdie” para ela. Mas se fosse uma ave, ela seria um painho, valente e fustigado pelo vento, não um beija-flor. A prová-lo está a sua dedicação fervorosa ao projecto. “Foi isso que me impediu de partir atrás do Doug”, diz. Chegou a ponderar desistir.
 
Os funcionários da fundação escolheram a inscrição da lápide sem a consultar, mas Kris concorda com ela. Ela é vigorosa e nada sentimentalista quando fala sobre o marido. No entanto, esse carácter prático não significa que ela não seja emotiva e, por vezes, diz-me, vai visitar a campa e fica ali sentada, em silêncio, a recordar em comunhão. O trilho pedonal serpenteia entre colinas rochosas e planícies de vegetação arbustiva espinhosa. Estes arbustos, vistos à distância, parecem cabeças de coral. O trilho atravessa um riacho sombreado por faias e, depois, sobe até um local de acampamento simples, mas bem preservado para os visitantes, curvando em seguida para trás, em direcção à sede do parque. A certa altura, reparo numa pequena pilha de excrementos secos e brancos como ossos. Sim, são de puma, diz Kris, pegando num pedaço e abrindo-o para me mostrar o pêlo compactado. O aumento da população de pumas no vale de Chacabuco é um dos indicadores do regresso ao estado selvagem, um dos grandes objectivos das terras dos Tompkins no Chile e na Argentina, que perderam parte da sua fauna autóctone.
 
Fonte: NatGeo
Kris, em 2010, com o seu marido e sócio, Doug Tompkins, que morreu num acidente de caiaque em 2015.
 
O regresso ao estado selvagem significa que há mais pumas, huemules (um veado do Sul dos Andes em risco de extinção) e até o nandu de Darwin, a ave não-voadora de grande porte do Parque Nacional da Patagónia, entre outros animais que estão a ser reintroduzidos noutros locais.
 
O regresso ao estado selvagem também é polémico, sobretudo no que diz respeito ao retorno de predadores como os pumas ou o jaguar em Iberá. Isso só será possível com uma combinação de ousadia e paciência… e muita dessa paciência é de Kris Tompkins. “O Doug era o lançador de bombas”, afirmou Gil Butler, outro filantropo da conservação. “A Kris põe as mãos à obra.”
 
Do lado da Argentina, as iniciativas de recuperação da vida selvagem de Tompkins estão a prosseguir em Esteros del Iberá, no canto nordeste desse país. É um ecossistema vasto e alagadiço, um mosaico com padrão de cornucópias de pântanos, canais de águas escuras e lamaçais, lagoas, plataformas de vegetação flutuante, elevações suficientemente altas e secas para suportar minúsculas secções de floresta e algumas zonas de savana sólida. As aves aquáticas e os caimões abundam e, com sorte, é possível avistar uma anaconda amarela. A luz do Sol apresenta-se em todo o seu esplendor e o próprio nome da região vem da palavra guarani e berá, que significa “águas brilhantes”.
 
Localizada na província de Corrientes, região predominantemente rural que faz fronteira com o Paraguai, o Uruguai e o Brasil, Iberá conserva uma forte presença da cultura e linguagem guarani autóctone. Durante um século, a história de Iberá resumiu-se a ranchos de criação de gado e dependeu da caça para fins alimentares e uso das peles. As populações locais viajavam frequentemente de barco ou a cavalo, atravessando zonas pantanosas, mas não havia terra firme suficiente para sustentar muitos seres humanos ou vacas. O futuro alternativo avançava no sentido do cultivo de arroz à escala comercial e na plantação de pinheiros.
 
Tomás Munita
Um pinguim de Magalhães mostra-se imperturbável, ao ver passar diante de si uma manada de guanacos, na reserva de Punta Tombo, na costa atlântica da Argentina. A Tompkins Conservation está a começar a comprar terrenos costeiros a sul da reserva para o seu projecto de parques marinhos, o Patagónia Azul.
Em 1997, Doug Tompkins visitou Iberá. Ficou interessado pelo local e certo dia pediu à mulher que se juntasse a ele para uma visita de observação. “Saímos do avião e eu disse: ‘Vamos embora daqui’”, conta Kris. “É quente, está cheio de mosquitos e é liso como uma panqueca.” Doug, porém, vira algo que escapara a Kris: a biodiversidade e as potencialidades do local. Por isso, comprou um rancho numa ilha no meio deste pântano sem sequer discutir o assunto com ela. Esse rancho, Estancia San Alonso, foi o primeiro bastião dos Tompkins em Iberá e, devido ao seu isolamento, tornou-se um sítio lógico para dar início ao acto mais dramático do processo de regresso ao estado selvagem: a reintrodução de jaguares.
 
Os recintos foram inteligentemente projectados: vedados com barros fortes e postes de aço, com cinco metros de altura, em forma de T no topo para impedir os animais de treparem para o exterior, e fio electrificado no perímetro interior. Os jaguares são animais atléticos e podem mostrar-se irrequietos, sobretudo quando enjaulados. Em cada recinto, existe também uma plataforma sobre árvores, arbustos baixos ou outras formas de vegetação para eles se abrigarem. Havia oito jaguares no local quando o visitei, entre adultos em idade reprodutiva emprestados por jardins zoológicos e um casal de crias com 1 ano nascidas ali, aguardando pela libertação.
 
As crias habitavam um recinto maior nas traseiras da infra-estrutura, com alimento em abundância, mas sem contacto com seres humanos. Os seus tratadores até evitavam ser vistos para que os animais, quando libertados, temessem os seres humanos e não os associassem a alimento.
 
Vi uma capivara (um roedor nativo, grande e carnudo) viva introduzida num recinto, mas a fêmea adulta no interior não estava a prestar atenção ou não tinha fome. Haveria de encontrar a presa a seu tempo. Um grande jaguar macho conhecido como Nahuel andava para trás e para a frente junto de uma vedação, com os músculos a ondular sob o seu pêlo macio às manchas.
 
Como é evidente, estes felinos são tão ferozes como belos e podem matar gado em qualquer sítio onde as vacas e as ovelhas tenham ocupado o lugar das suas presas naturais. Agora não há vacas nem ovelhas na ilha de San Alonso e a sua erva serve de alimento a muitos cervos-do-pantanal e a uma abundância quase cómica de capivaras (em parte graças à longa ausência dos jaguares que as devoram), algumas delas com cerca de setenta quilogramas. É por isso que San Alonso é o sítio certo para começar. As primeiras libertações poderão acontecer em breve. A reintrodução dos jaguares numa área mais vasta de Iberá será mais complicada, pois exigirá aceitação social e disponibilidade de animais selvagens como presas.
 
Tomás Munita
O vigilante da natureza Emanuel Galetto segura uma fêmea de puma sedada, capturada numa armadilha que prende as patas sem ferir os animais, no Parque Nacional da Patagónia. Ela será equipada com uma coleira GPS e libertada, juntando-se a outros seis pumas do parque.
 
A Tompkins Conservation está a abordar essas questões através de uma campanha de formação e eventos, pensada para promover a valorização dos jaguares enquanto parte do legado da província de Corrientes. Na festa do primeiro aniversário das duas crias de jaguar, na vila de Concepción, vi mais de cem pessoas, adultos e crianças, festejando num pátio entre murais com desenhos coloridos de animais, música de guitarras e acordeões, crianças pequenas a atirar serpentinas coloridas, bolachinhas em forma de patas de jaguar distribuídas gratuitamente e um espectáculo de marionetas. Os miúdos revezaram-se a posar para fotografias diante de um enorme cartaz com a imagem de um jaguar, rugindo como um. “Corrientes Ruge”, dizia a legenda do cartaz.
 
O esforço de regresso ao estado selvagem também envolve araras-de-asas-verdes, veados-campeiros, pecaris, lontras-gigantes e ursos-formigueiros-gigantes. Algumas das medidas preparatórias relativas a estes animais têm lugar num recinto de quarentena, situado ao fundo de uma estrada secundária por detrás de uma dupla vedação, junto da vila de Corrientes, a capital da província.
 
Uma mulher chamada Griselda “Guichi” Fernández, outrora cozinheira e empregada de limpeza e funcionária da Tompkins Conservation há mais de dez anos, é agora a especialista em cuidados e mãe adoptiva dos pequenos ursos-formigueiros aqui criados, cada um no seu próprio recinto. Vimos Griselda dar um biberão a um deles, conhecido como Quisco, que se agarrou a ela enquanto o seu focinho comprido encontrava a tetina e a sua língua semelhante a um fio de esparguete lhe saía da boca para recolher o leite. Depois de comer, deliciou-se com os mimos de Griselda, que lhe fazia cócegas na barriga. No entanto, aquela intimidade descontraída não poderia durar para sempre.
 
“São animais instintivos. Não podem ser criados como animais de companhia. Com um ano, já têm garras grandes e são perigosos”, disse.
 
Acontece frequentemente estes órfãos ficarem abandonados quando a sua progenitora é morta no decurso de um confronto com um caçador e os seus cães. Por vezes, também conseguem matar um cão. Um urso-formigueiro-gigante adulto é uma criatura magnífica e improvável com pêlo malhado que lhe desce pelo lombo, patas brancas, uma risca preta, uma enorme cauda peluda que lhe serve de cobertor quando dorme, um focinho graciosamente curvo que funciona como acessório de aspiração, uma língua com metade do comprimento do corpo e garras. Havia oito adultos em recintos maiores relativamente perto de Quisco. Quando Griselda chegou com o seu jantar (uma papa à base de ração para gato e água, pois os seus tratadores só conseguem recolher um número limitado de formigas por dia), dois deles apressaram-se a comer. Quando forem libertados na natureza, o seu instinto levá-los-á a ingerir novamente formigas e térmitas.
 
Os esforços em prol da recuperação da natureza nas propriedades dos Tompkins em Iberá, para as juntar a terrenos públicos e criar um grande parque que suporte um modelo económico baseado no turismo comunitário nas zonas húmidas, têm sido demorados e turbulentos. Sofía Heinonen, actual directora executiva da Tompkins Conservation na Argentina, que começou a gerir o projecto Iberá em 2005, disse-me que, a princípio, as pessoas se referiam a Doug Tompkins como “o gringo que queria roubar a água”. A frase tornou-se um slogan da oposição: “Os gringos vêm atrás da água.” Para os argentinos, tal como para os chilenos, na época de Huinay, era difícil acreditar que dois americanos ricos quisessem comprar terras para as doar. Alguns funcionários públicos da província de Corrientes também suspeitaram da ideia dos grandes parques, bem como os latifundiários, presos ao velho modelo económico de criação de gado, silvicultura e orizicultura. O apoio dos funcionários públicos de Corrientes era fundamental porque, além das propriedades de Tompkins e das terras do governo nacional, grande parte de Iberá pertencia à província. “Batemos a todas as portas”, contou Sofía. Os funcionários públicos de Corrientes resistiram. No entanto, os autarcas das pequenas cidades locais, as portas de acesso ao ecossistema, mostraram mais interesse pelas potenciais receitas turísticas geradas por um grande parque. E o governo nacional, em Buenos Aires, sobretudo o Ministério do Turismo, também achou que Iberá era um novo e promissor destino. Em 2013, pelo menos um político de Corrientes, o senador Sergio Flinta, percebeu que a província se posicionara do lado errado deste combate e começou a enviar propostas de regulamentação de áreas protegidas ao Senado da província. No entanto, o impasse manteve-se. Houve então um acontecimento que desbloqueou o impasse: Doug Tompkins morreu. No meio da dor da sua perda, Kris Tompkins partiu imediatamente para a acção. Disse a Sofía Heinonen para contactar Sergio Flinta e assinar o acordo sobre os termos do compromisso, incluindo 168 mil hectares de terras dos Tompkins, terras provinciais de Corrientes e terras nacionais da Argentina, todas ligadas (mas sem soberania) para formar um único e grande parque. Passadas duas semanas, Kris, Sofía e Sergio estavam no gabinete de Mauricio Macri, o novo presidente da Argentina e o acordo foi celebrado. Kris Tompkins podia ter-se vestido de preto, a cor da viuvez, para essa reunião. Em vez disso, apareceu com uma camisola branca, conseguindo mostrar um sorriso que transmitia a mensagem implícita: já chega de jogos políticos. A vida é curta. Vamos a isto.
 
Tomás Munita

Trazendo o cavalo a reboque com as rédeas para mais tarde o montar de regresso a casa, Mingo Avalos conduz com uma vara a sua canoa através de um canal, acompanhando turistas em Iberá com outro guia. O turismo é uma vitória para todos: antigos caçadores e funcionários de ranchos como Avalos ganharam empregos ambientalmente sustentáveis. Os turistas beneficiam do conhecimento íntimo que eles possuem desta paisagem.
 
Cinco anos passados, os antigos críticos reconhecem agora o valor patrimonial do regresso ao estado selvagem e os benefícios do turismo. “Havia quem não gostasse do Doug por ele ser um ianque”, disse Sergio Flinta. “Agora agradecem-lhe.”
 
De volta ao Parque Nacional da Patagónia, no Chile, subo o vale de Chacabuco na companhia de um guia para avistar aves aquáticas, a partir de um miradouro situado acima do lago dos Cisnes. Na extremidade ocidental do lago, álamos (conhecidos noutras paragens como choupos da Lombardia), ensombram uma mesa e uma tabuleta que diz:
 
ÁREA DE PICNIC PICAFLOR Y ÁGUILA.
 
Lolo e Birdie acamparam pela primeira vez no local em 1993, a caminho da viagem de exploração à Argentina e regressaram lá quase todos os anos até à sua morte. Hoje, uma família chilena de uma vila vizinha, na companhia de um visitante vindo de Santiago, partilham ali o almoço. Ponho-me à conversa com a mulher, uma advogada chamada Andrea Gómez Jaramillo. Conta que já visitara o local anteriormente para apreciar a vida selvagem e que os guanacos são divertidos. Revela que há um ano, até viu um puma. Mais: Renata, a filha, também o viu. Foi uma experiência inesquecível.
 
Nessa noite, enquanto jantamos um prato de massa cozinhado por Kris Tompkins, ela diz-nos que vai voar na madrugada seguinte, com o seu piloto, no Husky, para visitar um sítio interessante nas encostas chilenas de Cerro San Lorenzo, imediatamente a sul da fronteira com os Andes, que talvez valha a pena comprar.
 
“Como terminará isto, Kris?”, pergunto-lhe. “Não termina”, diz. “Só quando eu morrer.” 
 
Esta matéria foi originalmente publicada em NatGeo.