COP26 ressalta que mulheres suportam o peso da crise climática
ONU News/Laura Quiñones. Ativista indígena do povo Wapixana na Guiana, Immaculata Casimero, trabalha para ajudar a dar mais poder aas mulheres em sua comunidade
Conferência da ONU para Mudança Climática apontou que grupo soma 80% dos deslocados por desastres; Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Estados Unidos, disse que Congresso planeja aprovar uma legislação para dobrar o financiamento climático internacional.
As mulheres assumiram o palco na COP26 nesta terça-feira para mostrar que a mudança climática não é neutra em termos de gênero e que as ações nesse campo precisam de participação feminina.
O argumento é que investir em mulheres e meninas cria efeitos em cascata que são sentidos em comunidades inteiras e o conhecimento de linha de frente que elas possuem é necessário agora mais do que nunca.
OIM/Celeste Hibbert. Conferência da ONU para Mudança Climática apontou que grupo soma 80% dos deslocados por desastres
Aquecimento
A atuação das mulheres fica ainda mais relevante após a divulgação de uma nova análise que mostra que os anúncios dos líderes mundiais na COP26 ainda deixam o planeta no caminho do aquecimento global catastrófico.
Após percorrer cerca de 13 mil quilômetros pela Europa, Little Amal, um fantoche gigante que representa uma jovem refugiada síria, chegou a Glasgow na hora certa para o “Dia da Mulher” na COP26.
A obra de arte com 3,5 metros de altura surpreendeu os participantes da plenária quando subiu as escadas e se juntou à ativista climática de Samoa Brianna Fruean em um abraço e uma troca de presentes. Brianna deu a ela uma flor, representando esperança e luz, e Amal retribuiu com um saco de sementes.
A ativista afirmou: “Nós embarcamos aqui para uma jornada, de dois lugares muito diferentes, mas estamos conectadas pelo fato de estarmos vivendo em um mundo quebrado que tem sistematicamente marginalizado mulheres e meninas. Especialmente mulheres e meninas de comunidades vulneráveis.”
Emergência climática
Fruean lembrou aos participantes que o peso da emergência climática que amplifica as desigualdades existentes é frequentemente mais suportado pelas mulheres.
Ela destacou que Amal trouxe sementes para compartilhar fisicamente, para inspirar, sementes representam esperança. A beleza delas é que “você precisa ser altruísta o suficiente para se contentar com o fato de não poder comer os frutos ou dar flores, mas sentir que vale a pena saber que seus filhos viverão com sua beleza”.
Ela usou sementes como uma metáfora das decisões que estão sendo tomadas na COP26 para o futuro do nosso planeta.
Fruean destacou ainda que essas unidades precisam ser regadas e nutridas para dar frutos e flores, convidando os delegados a continuarem seu trabalho após o término da conferência.
“Vou plantar essas sementes quando nossos ministros estiverem prontos, mas espero que dentro das negociações e das salas você possa plantá-las e quando saímos da COP, você cuide delas para que cresçam em um mundo lindo que mereça garotas como Amal e que todas as garotas estejam seguras nele.”
A relação entre a equidade de gênero e a crise climática
O presidente da COP26, Alok Sharma, fez uma breve intervenção, mas não sem ser observado pela pequena Amal e Fruean, que se ergueram assistindo seu discurso.
Ele destacou o tema do dia “porque gênero e clima estão profundamente interligados”. Sharma ressaltou que o impacto da mudança climática afeta as mulheres e meninas de forma desproporcional”.
A pequena Amal e as meninas sírias que ela representa fazem parte dos 80% dos deslocados por desastres e mudanças climáticas em todo o mundo.
Por milênios, as mulheres tiveram uma relação especial com a natureza. Elas contribuem enormemente para o bem-estar e o desenvolvimento sustentável de suas comunidades, bem como para a manutenção dos ecossistemas, da diversidade biológica e dos recursos naturais do planeta.
Recursos naturais e ecossistemas
Em países em desenvolvimento, elas são geralmente as primeiras gerir o capital ambiental que as rodeia. Desde coletar água para cozinhar e limpar, usar a terra para o gado, buscar alimentos em rios e recifes e coletar lenha, as mulheres em todo o planeta usam e interagem com os recursos naturais e ecossistemas diariamente.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnud, e outras agências da ONU, elas também são as primeiras a sentir os efeitos da mudança climática ao precisarem percorrer distâncias cada vez maiores para encontrar o que precisam para alimentar suas famílias.
Além disso, embora a degradação ambiental tenha graves consequências para todos os seres humanos, afeta em particular os setores mais vulneráveis da sociedade, principalmente as mulheres, cuja saúde é mais frágil durante a gravidez e a maternidade.
Pnud/Ho Ngoc Son. De acordo com Pnud, as mulheres são as primeiras a sentir os efeitos da mudança climática
Uma questão de justiça
No entanto, o reconhecimento da contribuição real ou potencial feminino para a sobrevivência do planeta e para o desenvolvimento permanece limitado. A desigualdade de gênero e a exclusão social continuam a aumentar os efeitos negativos da gestão ambiental insustentável e destrutiva sobre mulheres e meninas.
Normas sociais e culturais discriminatórias persistentes, como acesso desigual à terra, água e outros recursos e a falta de participação nas decisões relativas ao planejamento e gestão da natureza, muitas vezes levam à ignorância das enormes contribuições que podem dar.
A presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, disse aos delegados da COP26 que enfrentar o clima em rápida mudança é uma questão de justiça e igualdade com os mais vulneráveis e afetados, incluindo comunidades indígenas, países menos desenvolvidos. Ela destacou o foco hoje e todos os dias nas mulheres.
Financiamento
Pelosi observou que trouxe 21 pessoas na maior delegação parlamentar americana até o momento para uma COP. Ela anunciou que, até o final do ano, o Congresso planeja aprovar uma legislação para dobrar o financiamento climático internacional.
A ideia é “reconstruir melhor com as mulheres”, disse para as mulheres integrantes de sua delegação. Uma delas foi a deputada Alexandra Ocasio Cortez, conhecida por ser a mulher mais jovem a servir no congresso dos Estados Unidos e por ser uma das mais sonantes e ativas em ações e legislação climática.
Em entrevista à ONU News, ela disse que a liderança que as levou a Glasgow não será a liderança que as tirará daquele lugar, referindo-se ao motivo pelo qual era importante para as mulheres se envolverem na luta pelo clima.
Mulheres da América do Sul ao Ártico
Tendo esse aspecto em mente, a ativista indígena do povo Wapixana na Guiana, Immaculata Casimero, trabalha para ajudar a dar mais poder aas mulheres em sua comunidade.
Em entrevista à ONU News, ela revelou que conduz sessões de capacitação porque gostaria de ver mais mulheres na liderança. Em grande parte do tempo, existem apenas homens exercendo liderança e o patriarcado “precisa ser quebrado”.
A ativista indígena disse que mulheres podem liderar melhor do que os homens como acontece em casa, cuidando dos filhos, e tendo em conta que “toda a humanidade existe” por causa delas.
Casimero também apontou que mulheres indígenas são veículos do conhecimento tradicional para as novas gerações, e têm um papel extremamente importante no combate às mudanças climáticas.
Insegurança alimentar
Nessa área, a crise atingiu sua comunidade natal este ano com a perda de “vários hectares de lavouras de mandioca, sua principal fonte de renda”. As chuvas foram fortes e inesperadas. A situação também gerou insegurança alimentar.
Ela contou que o “sol está muito mais quente do que antes”. Pelo clima que se faz sentir, o povo não sabe como realmente se adaptar “porque quando deveria haver chuva, há sol e quando deveria haver sol, há chuva”.
Casimero contou ainda que todo o sistema de cultivo e agrícola é afetado pela mudança climática e “não há mais nada de que depender”.
Em outra parte do mundo vivem os Sami, povos indígenas de língua fino-úgrica da região de Sápmi. Atualmente a área que abrange grande parte do norte da Noruega, Suécia, Finlândia também está sentindo em primeira mão a crise climática.
ONU News/Laura Quiñones. Em outra parte do mundo vivem os Sami, povos indígenas de língua fino-úgrica da região de Sápmi
Pavilhão Indígena
Em declarações feitas no Pavilhão Indígena na COP26, a jovem ativista Maja Kristine Jama disse que a mudança climática no Ártico está acontecendo muito rápido.
Ela destacou que o tempo vem alterando acompanhado de muita instabilidade. Onde os invernos são instáveis, o congelamento do gelo não ocorre como deveria. Todo o conhecimento tradicional para administrar a paisagem também está mudando.
No evento, a amiga Elle Ravdna Nakkakajarvi disse líderes mundiais presentes na conferência que os escutem e não digam apenas que o farão.
Lacuna de liderança
Ela declarou: “Não façam promessas vazias, porque somos nós quem sente as mudanças climáticas em nossos corpos e temos conhecimento sobre as terras e águas em nossas áreas e podemos encontrar soluções. Nós merecíamos ser ouvidos.”
Esta terça-feira a COP26 teve ainda o Dia da Ciência. Na sessão temática, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, apresentou uma atualização do último Relatório de Lacunas de Emissões. A nova versão inclui dados de promessas feitas desde o início da conferência.
A diretora executiva da agência, Inger Andersen, ressalta que o mundo ainda “não está fazendo o suficiente, não está onde precisa estar e precisa dar um passo à frente com muito mais ação, urgência e muito mais ambição”.
Ela destaca haver ainda “uma lacuna de liderança”, que precisa ser notada antes do bater do martelo encerrando a COP26.
Antes de iniciar o evento, o relatório revelou que com as atuais contribuições e promessas nacionais, o mundo estava a caminho de reduzir cerca de 7,8% das emissões anuais de gases de efeito estufa em 2030, a lacuna entre os 55% necessários para conter o aquecimento global para 1,5º C.
Promessas
Inger Andersen destacou que olhando para o resultado das promessas, francamente considerava “um elefante parindo um rato”.
Para ela, é necessário pensar se isso é bom o suficiente ou se o mundo pode se estender mais, incluindo os planos e promessas atualizados porque “o mundo só vai cortar 8% das emissões até o final da década”.
Andersen considera positivo ver os países aceitando os dados e a dialogar como não acontecia em Paris, mas que não era bom notar que as promessas são geralmente vagas, não transparentes.
A chefe do Pnuma sublinhou que o foco em algumas tem sido em gases de efeito estufa, outras apenas no carbono. Ela destacou ainda que muitas delas são difíceis de calcular e exigir responsabilidades.
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