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News & Events O Brasil deve zerar o desmatamento?
O Brasil deve zerar o desmatamento?
O Brasil deve zerar o desmatamento?
(Ilustração André Ducci)
(Ilustração André Ducci)

Autor: Bruno Calixto


Fontehttps://epoca.globo.com/ciencia-e-meio-ambiente/noticia/2017/06/o-brasil-deve-zerar-o-desmatamento.html


Expandir a agricultura é crucial para a economia do país. Mas existem áreas 

que são desmatadas e depois abandonadas. Precisamos continuar a derrubar florestas?


O Brasil está longe de resolver o problema do desmatamento ilegal. Ainda a maior fonte de poluição e uma ameaça ao clima, a derrubada, especialmente na Floresta Amazônica e no Cerrado, cresceu nos últimos anos. Uma análise feita por pesquisadores do Observatório do Clima e publicada no começo de maio dentro do sistema de dados MapBiomas mostra que, entre 2000 e 2016, o Brasil desmatou 190.000 quilômetros quadrados de florestas – o equivalente ao território do Uruguai.


A maioria das terras abertas vira pastagem. Mais tarde, parte delas é destinada a cultivos de grãos ou de cana-de-açúcar. Por um lado, o setor agrícola tem uma importância crucial para a economia brasileira. Com clima favorável e tecnologia, o país tem tudo para aumentar sua produção. A questão é como fazer isso de forma sustentável. Pelo Código Florestal, é proibido expandir o desmatamento na Mata Atlântica, mas podem-se abrir novas áreas de Floresta Amazônica, Cerrado e Caatinga. Porém,  já há terra equivalente a toda Região Sul do Brasil desmatada e subutilizada. As florestas remanescentes prestam vários serviços, como manutenção do clima e contenção da erosão. Será mesmo preciso expandir o desmatamento? Para fazer esse debate, ÉPOCA conversou com dois especialistas no tema. Rodrigo Justus de Brito, coordenador de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), acredita que a ideia do desmatamento zero é um mito. Já Marcio Sztutman, gerente de Conservação Terrestre na The Nature Conservancy (TNC), defende que o desmatamento zero é viável e possível no curto prazo.


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ÉPOCA – Hoje, o debate sobre o desmatamento está bem polarizado. Como podemos fazer os dois lados – ruralistas e ambientalistas – voltarem ao debate? É possível criar uma ponte entre os dois lados?

Rodrigo Justus de Brito –
 Há uma polarização sobre o assunto. Há entidades, tanto do setor ruralista quanto ambientalista, que são radicais em suas posições. Há uma ideia de que o setor agrícola tem a pretensão de desmatar o Brasil inteiro e transformar tudo em lavoura. Claro que isso não é possível nem do ponto de vista técnico nem do econômico. Algo que radicaliza esse debate é a proposta do desmatamento zero. Nossa posição é que o desmatamento zero é um mito, uma ficção, considerando que temos um país que não educou seu povo, criou assentamentos rurais no passado no meio da floresta e tem níveis de miséria gigantescos. O governo apresenta propostas em conferências no exterior para fazer bonito dizendo que vamos ter desmatamento ilegal zero, mas isso não passa de promessa.
Marcio Sztutman – Vejo que estamos de fato num acirramento de posicionamento. Essa polarização, acredito, é desnecessária e baseada em falta de dados científicos e técnicos. Existem possibilidades, sim, de aumentar dramaticamente a produção, particularmente pela utilização de áreas já abertas, mas de baixa produtividade. Por exemplo, em áreas de pastagens que foram abertas na Amazônia sem nenhum acompanhamento técnico e que resultam em terras bastante degradadas. Se bem trabalhadas, essas áreas podem dar um bom retorno para os produtores e evitar desmatamento de novas áreas.


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ÉPOCA – O desmatamento zero seria um mito, segundo Brito. Por que é um mito?

Brito –
 Não é com legislação que vamos resolver a questão. Não adianta baixar uma lei proibindo e achar que está tudo bem. Não temos hoje um modelo econômico viável para os 30 milhões de pessoas que estão na Amazônia. Eu me lembro de que, no início dos anos 1990, começou a se falar em pagamento por serviços ambientais. Até hoje isso está no discurso. Se eu disser a um proprietário rural que ele não vai produzir nada e vai receber por isso, seria ótimo. Ele não precisa ficar olhando para cima para ver se vai chover, não precisa se preocupar com o mercado. Ele seria um beneficiário e estaria conservando as áreas. Mas quem paga?
Sztutman – Concordo que qualquer linha burra, qualquer proibição do tipo “a partir de hoje não pode desmatar”, é uma ficção. Por outro lado, há mecanismos que podem nos levar a um cenário de desmatamento zero dentro de um horizonte não muito extenso. Precisamos entender as fontes do desmatamento. Há o desmatamento atrelado à instalação de infraestrutura. É uma situação em que quase invariavelmente será preciso abrir uma área. Mas, no desmatamento proveniente de alteração do uso do solo, existe a conversão de áreas atreladas à produção de commodities [mercadorias básicas]. Aí é possível o diálogo e a promoção de compromissos com as empresas que controlam a compra dos produtos, como frigoríficos. Existe a experiência da Moratória da Soja [em que os grandes produtores se comprometeram a não desmatar na Amazônia]. É possível promover acordos para não comprar produtos oriundos de áreas desmatadas. Se esses acordos contarem também com apoio e incentivos para os produtores, acho viável chegar ao desmatamento zero dentro de um prazo acordado.


Existe a possibilidade de aumentar a produção pela utilização de áreas já abertas de baixa produtividade”


MARCIO SZTUTMAN


ÉPOCA – Estamos falando das datas que já estão nos compromissos brasileiros de desmatamento ilegal zero em 2020 ou um prazo a ser acordado no futuro?

Sztutman –
 As propostas no Brasil estão atreladas ao desmatamento ilegal. Acreditamos que podemos ir além disso e ter acordo de desmatamento zero, conversão de hábitat zero, tanto para a Amazônia quanto para o Cerrado. Mas as datas-limite precisam estar baseadas em números, em fatos.  Com base em cenários, modelagens e dados, é possível juntar ambientalistas e ruralistas e entender os impactos para solução conjunta.
Brito – Desmatamento zero significa, num primeiro passo, dar alternativas econômicas para essas pessoas. E o Brasil, infelizmente, não investe adequadamente. Fala-se muito nos sistemas agroflorestais. Eles ajudam o pequeno produtor na subsistência, mas, numa escala comercial, onde estão os mercados? Temos uma lacuna que é justamente dizer quais são as alternativas para quem se comprometer a não abrir novas áreas. Eu me lembro bem de um caso em que isso estava sendo discutido na mesa-redonda da soja. Todos queriam que as áreas fossem livres de desmatamento. Só que ninguém no mundo inteiro faz isso. Então implica um custo ao setor produtivo brasileiro. Quem vai pagar essa conta? O diálogo acabou aí.
Sztutman – Um exemplo claro de mostrar as alternativas é olhar a pecuária. Existe uma distância bastante grande entre produtividade atual e a potencial. Outro exemplo é o programa de Agricultura de Baixo Carbono [ABC] do governo federal. Ele tem recursos para capitalizar os pecuaristas e implementar uma pecuária diferenciada, capaz de se fixar numa mesma área por muito tempo, com maior retorno ao produtor e sem pressão nas florestas. O problema é que a falta de título da terra acaba sendo um gargalo. Para o pecuarista ter acesso ao ABC, ele precisa ter documento de terras, que às vezes não existe. Por que não ter uma política de reforma do sistema fundiário que também considere a intensificação do uso da terra e garanta o desmatamento zero?
Brito – Você tocou num ponto essencial, que é a regularização fundiária principalmente na Região Norte. A Região Norte é a que menos tem acesso a financiamento. Se você não tem documentação da terra, não consegue financiamento. O programa ABC, infelizmente, nos últimos anos, acabou com o benefício dos juros diferenciados. Houve uma mudança drástica de política e hoje está com juros comerciais. Além disso, o pessoal da Região Norte diz que a maior parte dos projetos deles era rejeitada por falta de título. Se o Brasil quer desenvolvimento sustentável, é preciso tirar do papel a regularização fundiária.


ÉPOCA – A maior frente de desmatamento do Brasil hoje está no Cerrado. Esse bioma já perdeu metade de sua vegetação original. É possível pensar em desmatamento zero para o Cerrado?

Brito –
 O Cerrado tem em torno de 200 milhões de hectares e 50% de área ocupada. Ele é formado por diversas tipologias. Quando a gente fala de desmatamento, estamos falando de mata, de floresta. No Cerrado tem o campo limpo, o campo sujo, a savana, uma classificação de fisionomias vegetais enorme, não apenas floresta. Esse discurso que Cerrado vai deixar de existir não confere. Vendo os mapas de tipologia de solo, o Cerrado teria no máximo mais ou menos 20 milhões de hectares adicionais que poderiam, com tecnologia adequada, ter produção agrícola. O restante são áreas sem potencial de atividade agrícola. Ou seja, ele não vai ser destruído por causa do avanço da atividade. É o momento para resolver o zoneamento do Cerrado. Estabelecer incentivos econômicos nas áreas em que for recomendada a agricultura e fazer as restrições nas áreas de fragilidade ambiental. Precisamos colocar a ciência nesse processo.
Sztutman – O Cerrado tem uma riqueza enorme do ponto de vista dos recursos hídricos, das populações tradicionais, de biodiversidade. Do ponto de vista de proteção legal, ele é muito menos protegido que a Amazônia. As áreas previstas de reserva legal são de 35%, em comparação com 50% a 80% na Amazônia. E, com o foco muito forte da fiscalização na Amazônia, observou-se que houve o vazamento do desmatamento de lá para o Cerrado. Sem mecanismos para identificar áreas prioritárias, o que a história demonstra é que a expansão ocorre de forma desordenada. Abre-se qualquer área para produção, muitas delas inaptas. É uma perda desnecessária. Precisamos desenvolver ferramentas de apoio para a tomada de decisão das empresas e dos produtores – onde ele pode colocar um silo, que tipo de infraestrutura pode usar. Isso pode ser feito considerando aspectos como solo, clima, que áreas já foram abertas. Esse entendimento da expansão necessária associada às áreas já disponíveis fará com que não seja preciso abrir novas áreas. É todo um pacote de incentivos, possível de ser feito, que permite uma agricultura altamente competitiva sem desmatamento.


O desmatamento zero é um mito, uma ficção, num país que criou assentamentos rurais no meio da floresta e tem níveis de miséria gigantescos”


RODRIGO JUSTUS DE BRITO


ÉPOCA – O Brasil tem um compromisso assinado internacionalmente que define o fim do desmatamento ilegal até 2020 e o reflorestamento de 12 milhões de hectares. Essas medidas são positivas para o país?

Brito –
 Nós somos a favor do desmatamento ilegal zero. Até porque o desmatamento ilegal causa imagem negativa do produtor. O problema é a fixação da data. As ferramentas de comando e controle não são suficientes. O país se encontra numa crise econômica enorme, vive um momento complicado, de décadas de má gestão do recurso público. Não acredito que nós, em dois anos e meio, vamos ver isso acontecer. Da meta do reflorestamento, nós começamos pelo reverso. O Brasil primeiro fixou a meta para depois ver como faz. Isso foi feito sem a devida noção da questão. Do ponto de vista administrativo e estrutural, eu digo hoje que com certeza o país não tem condições de alcançar a meta.
Sztutman – Acredito que são metas factíveis. São metas que nós apoiamos. Elas são viáveis: dependem de investimento, de conseguir superar o momento de crise econômica atual e de vontade política. Outro elemento que falta é o alinhamento dos setores público e privado para fazer investimentos. O Brasil tem a faca e o queijo na mão, pelo tamanho de sua produção agrícola, pelo clima. As metas são ambiciosas, mas extremamente factíveis. E elas também têm o potencial de aquecer a economia florestal, gerando renda para produtores, criando novos mercados. Nós precisamos direcionar incentivos para que o Brasil seja pioneiro, mostrando ao mundo que é viável essa agenda de evitar as mudanças climáticas garantindo produção e preservação.