Foto: Annie Spratt/Unsplash
As consequências da emergência climática refletem, entre muitos exemplos, em uma maior incidência de pandemias, enchentes, deslizamentos, furacões, enfim, eventos extremos da natureza. As mulheres estão entre os grupos mais vulneráveis à crise climática em diferentes aspectos. Também são as responsáveis pelas tarefas de reprodução e de cuidados da vida. Deixando claro que isso não tem a ver com gênero, mas sim com a estrutura da nossa sociedade.
Diante disso, os mais excluídos são mais vulneráveis e tudo isso reflete em quem está nesse trabalho de cuidado. Ou seja, as mulheres. Aproximadamente 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são mulheres, de acordo com o relatório Women in Finance Climate Action Group. As consequências podem ser devastadoras como ao que foi recentemente divulgado no ClimaInfo que, em comunidades agrícolas no Zimbábue, jovens mulheres e crianças estão entrando na prostituição depois que secas e enchentes destruíram suas plantações e sua subsistência. Não precisamos ir tão longe, vimos durante a pandemia mulheres, de todas as classes sociais, largando seu trabalho para cuidar dos filhos e idosos da família – refletindo a economia de cuidado (trabalho, majoritariamente feito por mulheres, de dedicação à sobrevivência, ao bem-estar e/ou à educação de pessoas).
Diante destes e de muitos outros exemplos, enxergar e querer trazer soluções sem levar essa desigualdade em conta é somente tratar o tema sem a seriedade que merece para trazer soluções, de fato, efetivas. Raça, etnia, classe social, região, religião, por exemplo, podem fazer com que esses impactos da emergência climática sejam vivenciados de formas e intensidades distintas (e até mais intensas) pelas mulheres. Na verdade, estamos falando de todas as mulheres, mas que por outros fatores têm percepções e sofrem desses impactos de maneiras e intensidades diferentes.
O machismo estrutural tira mulheres até mesmo dos empregos considerados verdes. Por exemplo, segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis, Irena, as mulheres ocupam apenas 32% dos empregos relacionados às energias renováveis no mundo. No Brasil, as mulheres também são a minoria. Entretanto, também falta paridade de gênero nas esferas de decisão.
Ao refletirmos sobre e sob o olhar de gênero e clima é fundamental acrescentar a esta análise o como o racismo institucional, estrutural e ambiental influenciam as decisões sobre licenças ambientais, as leis de proteção ambiental e até mesmo as permissões de uso da terra. No Brasil, ainda existem os reflexos e as consequências — na estrutura da nossa sociedade — da cultura escravocrata do período do Brasil colônia. O racismo ambiental também deve ser levado em conta na análise de gênero e clima. Como explica a filósofa e antropóloga brasileira Lélia Gonzalez, o lugar em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e do sexismo.
O levantamento feito pelo Fórum de Mulheres para Economia e Sociedade (WFES) apontou que três em cada quatro mulheres adotaram um novo comportamento para preservar o meio ambiente. Este protagonismo em ações regenerativas da terra está também da forma a qual nossa sociedade está estruturada. E ainda reforça a ideia de que as mulheres na nossa sociedade são as responsáveis pelo trabalho de cuidado também e não remunerado (ou muito pouco), tanto quanto elas são as mais atingidas por estarem desempenhando essas tarefas.
Há várias ações que devem ser adotadas. Desde aumentar a participação das mulheres nas esferas de decisão relacionadas às ações que serão implementadas para combater à emergência climática, políticas públicas que levem as questões de gênero e as suas interseccionalidades para aí sim trazer essa equidade; pensar no âmbito econômico; levar em conta esses impactos desiguais nas ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
*Tatiane Matheus é jornalista e pesquisadora no Instituto ClimaInfo